quinta-feira, 11 de julho de 2013

ATIVISMO JUDICIAL - DECISÕES "AD HOC" E PRECEDENTES HETEROGÊNEOS

SODRÉ, Habacuque Wellington Sodré. As deficiências da atuação legislativa como fator de ativismo: hipertrofia e omissão legislativa. Uma análise da sociologia jurídica sobre o caso brasileiro de ativismo judicial. IN Direito Público (IOB).  Ano VIII, N.43. JAN-FEV.2012, Brasília, pp. 160-194.

 


AS DEFICIÊNCIAS DA ATUAÇÃO LEGISLATIVA COMO FATOR DE ATIVISMO: HIPERTROFIA E OMISSÃO LEGISLATIVA. UMA ANÁLISE DA SOCIOLOGIA JURÍDICA SOBRE O CASO BRASILEIRO DE ATIVISMO JUDICIAL.

Resumo: O presente trabalho tem como escopo analisar o fenômeno do ativismo judicial sob a perspectiva da atuação legislativa, observando as deficiências do exercício da função legislativa, no caso brasileiro, como um dos principais fatores do ativismo dos juízes. Em relação à hipótese, o trabalho parte da premissa que a atuação deficiente do legislador serve como parâmetro analítico para verificação do déficit democrático-representativo, o qual reflete numa atuação política dos magistrados na tentativa de supri-lo, porém, na prática, essa tentativa acarreta, paradoxalmente, o aumento do déficit democrático. Para tal análise, far-se-á mister uma análise dicotômica, a saber, uma revisão da literatura pertinente e uma análise jurisprudencial. Quanto aos resultados, observa-se que a atuação deficiente do legislador se dá em dois pontos, hipertrofia e omissão legislativa, sendo que ambos acarretam, principalmente, no exercício da jurisdição pelos juízes monocráticos e tribunais inferiores, em decisões ad hoc e precedentes heterogêneos, respectivamente. Por fim, verificar-se-ão as implicações do tema.

Palavras-chaves: Ativismo judicial; Judicialização da Política; Politização da Justiça; Hipertrofia Legislativa; Omissão Legislativa; Decisões Ad Hoc; Precedentes Heterogêneos.

Abstract: This paper aims to analyze the phenomenon of judicial activism from the perspective of legislative action, noting the deficiencies of the exercise of legislative functions, in Brazil as a major factor of the activism of judges. As hypothesis establishes the premise that the poor performance of the legislature serves as an analytical-parameter for verification of the democratic deficit, which reflects a political role of judges in an attempt to supply them, but, in practice, this attempt leads, paradoxically, increasing the democratic deficit. Therefore, to achieve this end, will do necessary dichotomous approach, namely: review of the literature, as well as a research case law. Compared with the finds, it is observed that he results shows that the legislature's defective performance takes place at two points, hypertrophy and legislative omission, both of which lead, especially in the exercise of jurisdiction by both judges and lower courts, ad hoc decisions and precedents heterogeneous, respectively. Finally, it was observed to the implications of theme.

Keywords: Judicial Activism; Judicialization of Politics; Politicization of Justice; Hypertrophy Legislative; Legislative Oversight; Ad Hoc Decisions; Heterogeneous Precedent.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO – 1. DO CONCEITO DE ATIVISMO JUDICIAL – 1.1. O TIPO IDEAL DE JUIZ ATIVISTA: O JUIZ POLÍTICO. – 1. 2. CLASSIFICAÇÃO SOCIOLÓGICA DO ATIVISMO JUDICIAL. – 2. ATUAÇÃO DEFICIENTE DO LEGISLADOR COMO FATOR DE ATIVISMO JUDICIAL. – 2.1. ATUAÇÃO DO DEFICIENTE DO LEGISLADOR COMO HIPERTROFIA LESGISLATIVA. – 2.2. ATUAÇÃO DEFICIENTE DO LEGISLADOR COMO OMISSÃO LEGISLATIVA. – 3. O ATIVISMO BRASILEIRO COMO DECORRÊNCIA DA ATUAÇÃO DEFICIENTE DO LEGISLADOR E DA CONSTRUÇÃO DESCONEXA DO DESENHO INSTITUCIONAL DECISÓRIO: A POSSIBILIDADE DE DECISÕES AD HOC E PRECEDENTES HETEROGÊNEOS. – CONCLUSÃO – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como escopo analisar a relação entre ativismo judicial e atuação do Legislador, observando-se, no caso brasileiro, as deficiências no exercício do poder político das instituições democráticas, especialmente, o Poder Legislativo, como um dos principais fatores de ativismo judicial.
Nesse sentido, parte-se da hipótese que a atuação do Legislador serve como paradigma, para verificação dos padrões de representatividade democrática, ou seja, se há ou não um déficit democrático. Assim, constatado o déficit democrático, verifica-se que esse vetor possui uma relação direta com a atuação política da magistratura, o que implica, paradoxalmente, a ampliação do custo decisório, ao invés da sua minoração.
Assim, parte-se desse diagnóstico inicial, no qual o ativismo dos juízes tem relação direta com a atuação deficiente do Poder Legislativo, para buscar a falseabilidade da hipótese proposta, especialmente, quando essa deficiência se prolonga no tempo.
Para isso, far-se-á mister a utilização de um método dicotômico ou de dois ferramentais analíticos, a saber, uma revisão da literatura pertinente a respeito do ativismo judicial e da atuação do legislador. Entretanto, salienta-se que essa pesquisa constitui uma visão da sociologia jurídica sobre o ativismo judicial, com bases mais descritivas do que propriamente normativas, apesar de, por vezes, se encontrar algumas considerações de caráter prescritivo sob o ponto de vista da Teoria Geral do Direito.
 Dessarte, a problematização do tema se fará em três seções principais, nas quais buscar-se-á desde uma análise conceitual sobre o ativismo judicial até um debate sobre o desenho institucional decisório no caso brasileiro, como um dos elementos de maximização da atuação ativista dos magistrados.
Desse modo, na primeira seção tratar-se-ão dos aspectos conceituais do ativismo judicial, estabelecendo-se uma categoria analítica, para o fim de compreender o caso brasileiro, bem como estabelecer-se-ão gradações, por meio de uma taxonomia sobre os tipos de ativismo judicial.
Ato contínuo, na segunda seção analisar-se-ão os tipos de atuação deficiente do Legislador, partindo-se de uma construção dual ou dicotômica, na qual perquirir-se-á acerca do sentido do que venha a ser esse exercício da função político-institucional de forma precária ou criadora de déficit democrático, a partir das categorias de hipertrofia e da omissão legislativa.
Por fim, discutir-se-á o modelo decisório, no plano da engenharia institucional ligada aos problemas da coerência decisória na hierarquia do Poder Judiciário, especialmente, ligado a um conjunto de decisões ad hoc e precedentes heterogêneos como decorrência da falta da uniformização da jurisprudência apesar da existência de mecanismos que tornem tal pretensão factível.
Ao final, verificar-se-ão as implicações do tema, tecendo-se as considerações finais pertinentes a respeito das contingências da atuação deficiente do legislador como fator de ativismo judicial.


1. DO CONCEITO DE ATIVISMO JUDICIAL.

Inicialmente, para compreensão do objeto de discussão, faz-se mister uma análise conceitual que precise o núcleo teórico a ser posto em debate, o qual, no presente caso, diz respeito ao ativismo judicial.
Entretanto, antes de analisar diretamente o sentido do ativismo judicial, é de suma importância compreender alguns elementos relevantes que constituem o ativismo judicial, quais sejam, a Judicialização da Política e a Politização da Justiça[1], visto que sem a dimensão desses dois fenômenos típicos do final do século XX, não será possível uma assimilação do que venha a ser o ativismo da magistratura.
Quanto à Judicialização da Política, observa-se que se trata de um fato institucional[2], no qual se manifesta um tipo de juridificação das esferas sociais[3], ou seja, há uma constitucionalização[4] de um conjunto de necessidades como direitos, que dependem de um conjunto de medidas ou programas finalísticos (políticas públicas[5]) para sua materialização, o que implica na possibilidade da utilização da revisão judicial dessas decisões, tornando o Poder Judiciário um órgão de fiscalização da constitucionalidade não só de normas jurídicas, mas também de políticas públicas e da operação funcional das instituições político-democráticas.
Tal fenômeno implica um aumento considerável das competências do Poder Judiciário, o qual passa a ser visto não apenas como um órgão de decidibilidade, mas também como uma arena política, na qual os magistrados funcionam com veto players[6] da construção da governabilidade, ou seja, o próprio exercício das instituições democráticas depende de uma avaliação do Poder Judiciário para verificação se as suas ações possuem enquadramento ou não nas normas constitucionais. Nesse contexto, verifica-se uma ampliação dos poderes do Judiciário, servindo esse poder como uma espécie de sistema imunológico, reagindo de forma contramajoritária em face das distorções dos demais poderes político-representativos.
Desse modo, depreende-se que com esse novo conjunto de competências e responsabilidades, o Poder Judiciário passa a ser objeto de provocação cada vez mais massiva dos jurisdicionados, resultando numa explosão da litigiosidade[7], ou seja, o Poder Judiciário, mormente os tribunais, passa a ter que lidar com um número vultoso de demandas judiciais, principalmente com o objeto adstrito às novas competências atribuídas pela Constituição Federal de 1988.
Assim, a Judicialização da Política[8] significa a ampliação dos poderes decisórios do Judiciário, passando esse Poder do Estado a ter como uma de suas competências verificar a constitucionalidade das normas jurídicas, mas também dos atos administrativos e dos atos de governo, significando uma revisão dos atos políticos pela via judicial, para compreensão e adequação dessa atuação aos objetivos e as metas estabelecidas pela Constituição Federal de 1988.
Por sua vez, a Politização da Justiça constitui um tipo de postura institucional adotada pelos membros da magistratura acerca do contexto da Judicialização da Política, isto é, no contexto da interpretação dos casos que versam tanto sobre normas jurídicas em sentido estrito, como sobre políticas públicas e a atuação das instituições democráticas na condução da governabilidade, esse fato institucional consiste num tipo de postura interpretativa da Constituição que não trabalha na lógica do legislador negativo (sanção/veto)[9], mas numa perspectiva construtivista (destruição/construção) da força normativa da Constituição.
Além disso, esse novo tipo de demanda própria da Judicialização da Política passa a exigir um provimento jurisdicional diverso daquele tradicional baseado tão-somente em uma reflexão normativa, o que nem sempre mostra o preparo dos juízes para realização de tal intento, tendo em vista que, na maioria dos casos, os membros do Poder Judiciário não estão, outrossim, aparelhados o suficiente, nem tampouco possuem conhecimentos técnicos para lidar com questões econômicas, com problemas políticos ou com implementação de políticas públicas, o que acaba gerando um conjunto de decisões discricionárias e de caráter mais político do que jurídico.
Destarte, mostra-se presente no âmbito judiciário um conjunto de decisões discricionárias e uma atuação política desmedida. Como exemplo desse despreparo, pode-se citar o caso da implementação de políticas públicas via decisão judicial que versam sobre direitos sociais prestacionais, pois, nesses casos os juízes ao decidirem contra o Estado não avaliam os custos orçamentários, nem os rearranjos necessários para execução da decisão, bem como seus impactos sobre outras políticas públicas universais, o que tem como efeito a costura de uma política orçamentária com a aparência de uma colcha de retalhos.
Nesse diapasão, observa-se que a Politização da Justiça implica uma postura de atuação política dos juízes no momento da decisão dos casos, transpondo os limites entre interpretação criativa[10] e a criação normativa[11], ou seja, a Politização da Justiça[12] significa a adoção de uma postura ativista[13] ou uma posição de criação do direito pela via judiciária e não de uma interpretação do direito para sua aplicação, como se esse poder técnico pudesse resolver as celeumas do direito[14].
 O ativismo judicial, no contexto da Judicialização da Política, aparece como resultado da juridificação das esferas sociais, implicando uma forma de Politização da Justiça, ou seja,  os juízes passam a atuar como criadores do direito e apenas como intérpretes ou aplicadores. Tal fato permite inferir que o ativismo judicial é sinônimo da materialização da discricionariedade judicial.
No que tange à discricionariedade judicial, verifica-se que, em termos hartnianos[15], essa consiste no poder criativo dos juízes utilizado para resolver casos difíceis. Nesse ponto, o ativismo se mostra numa espécie de movimento dos juízes que passam a decidir sempre de forma discricionária, por entender que todos os casos devem ser vistos como casos difíceis, o que implica uma visão típica do modelo realista norte-americano[16].
A discricionariedade judicial implica a possibilidade dos juízes criarem regras jurídicas ou construírem uma decisão que vai além[17] das normas jurídicas gerais já existentes na realidade jurídica de uma dada comunidade. Assim, a discricionariedade tem relação direta com o ativismo judicial, quando maximizada pelos juízes nos processos decisórios, não resumindo a algumas decisões esparsas.
Logo, não há que se falar em ativismo judicial apenas a partir de uma decisão, mas em conjunto de decisões dos órgãos judiciários que acabam por atuar em contraposição ao estabelecido nas normas constitucionais, nas normas legais e nos precedentes da jurisprudência para criarem novas regras renunciando à aplicação daquelas já existentes no sistema jurídico. Essa observação descreve uma espécie de movimento institucional (e não social) dos juízes, que supostamente para garantirem a efetividade dos direitos prescritos na Constituição, procuram, de forma discricionária[18], decidir os casos concretos.
Nesse contexto, os grupos de interesse verificando que o Judiciário passa a atuar como um veto player se deslocam de arena decisória de políticas públicas, ou seja, por conta da Judicialização da Política que atribuiu competências de apreciação das policies e da politização da Justiça que implica numa postura ativista dos juízes, por meio das decisões discricionárias, os interesses organizados miram o Judiciário como uma arena política para obtenção de benefícios com menores custos de transação do que aqueles operados no âmbito dos demais poderes com o lobby ou, no caso de não obterem resultados no Poder Legislativo, conseguir a reversão das decisões políticas que obstam seus objetivos utilizando o poder de veto próprio do controle de constitucionalidade[19].
Verifica-se, então, uma migração do lobby das arenas político-partidárias, para os órgãos do Poder Judiciário, seja por meio da figura dos amicus curiae, seja por meio da participação dos grupos interessados em processos decisórios que tenham como objeto de apreciação políticas públicas, os quais contam com audiências públicas e mecanismos de participação das organizações da sociedade civil, possibilitando uma maior politização da arena judiciária, especialmente, as Cortes de Sobreposição.
Entretanto, esse tipo de atuação do Poder Judiciário acaba tendo alguns efeitos perversos, como, por exemplo, a corrupção judicial, a compra de decisões e a manipulação decisória, o que se torna mais fácil de ocultar num cenário de ativismo judicial, em que as decisões são sempre instáveis e discricionárias ou de tipo ad hoc.
Diante desse quadro geral, o ativismo judicial, enquanto categoria analítica da sociologia jurídica passa a ser entendido como toda e qualquer atividade criativa dos juízes, não podendo ser caracterizado de forma dogmática[20] para esse fim, o que significa que o Ativismo Judicial e a politização da Justiça se tornam sinônimos, na medida em que a criação de regras por meio da discricionariedade judicial traduz-se numa atuação política do Poder Judiciário, inclusive, criando um tipo específico de perfil de juiz, o qual se verá na próxima seção.
Nesse particular, a questão da Politização está exatamente atrelada ao processo institucional de Judicialização, porque se aumenta o poder decisório dos juízes, por meio da ampliação das matérias a serem decididas, sendo que os objetos das demandas decorrentes da judiciabilidade acabam por desembocar em reflexos diretos na governabilidade. Assim, o ativismo judicial, enquanto atuação discricionária dos juízes (criação judicial do direito), por conta da necessidade de decidir questões atreladas à lógica de governo, acaba por gerar uma espécie de democracia judicial[21] ou mesmo um governo dos juízes, o que, nas mais altas instâncias, representa um governo dos órgãos de cúpula ou uma Supremocracia[22], no caso brasileiro.
O Ativismo Judicial e a Politização da Justiça encontram-se numa relação de proximidade, na medida em que não há ativismo sem politização e, tampouco, politização sem ativismo, pois, ambos pressupõem uma postura discricionária dos magistrados na interpretação, aplicação e criação do direito.
Portanto, o ativismo judicial pode ser definido, para fins analíticos, como uma manifestação de um grupo de magistrados que passam a decidir de forma política os conflitos, encarando-os sempre como casos difíceis, o que significa dizer que o ativismo judicial constitui a materialização da discricionariedade judicial, por meio de adoção de uma postura política da magistratura.

1.1. O TIPO IDEAL DE JUIZ ATIVISTA: O JUIZ POLÍTICO.

No cenário do ativismo judicial, examina-se que o tipo de atuação judicial acaba se diferenciando do suposto modelo ideal de juiz da tradição teórica, que opera de modo mecânico ou silogístico, ou seja, que realiza a subsunção, na medida em que o magistrado passa a criar regras ou alterar o sentido original da normatividade criada nas instâncias democráticas, verificando-se um tipo de diferente juiz, o qual exerce a jurisdição por meio da discricionariedade judicial.
Além disso, os órgãos judiciários, por vezes, são designados pela própria legislação para suprir a vontade das partes no direito privado, o que passa a ocorrer constantemente, por conta da construção de leis com conceitos aberto (ou normas em branco), principalmente, no âmbito do direito disponível nas relações entre atores privados. Entretanto, tal tipo de conduta vai se tornando uma espécie de rotina ou tradição no exercício da jurisdição, que termina implicando a transposição desses métodos interpretativos, outrossim, para aplicação do direito público.
No plano dos direitos sociais prestacionais, os quais têm como premissa básica que sua taxonomia normativa é de eficácia limitada de caráter programático[23], isto é, esses direitos dependem de um conjunto de ações e estratégias agregados a um aporte de recursos financeiros para sua materialização, o que significa a existência de uma política pública criada pelo Legislativo e gerida pelo órgão competente e especializado do Poder Executivo, a atuação do Poder Judiciário frente a esse quadro institucional se mostra extremamente discricionária e política.
Primeiramente, discricionária na medida em que os juízes passam a tentar criar regras para solucionar a suposta falta de efetividade dos direitos sociais, porém, sem atentarem para sua dimensão subjetiva, ou seja, o Poder Judiciário acaba interpretando os direitos sociais de forma liberal[24], o que resulta numa visão individualista dos direitos que possuem como escopo tutelar a igualdade material e não a igualdade formal ou privilegiar a competição. Nesse sentido, o Judiciário interpreta os direitos sociais de modo individual, concedendo benefícios apenas por meio de demandas individuais[25] e rejeitando, em sua maioria, as demandas coletivas que versam sobre direitos sociais do modo mais coerente com sua pretensão inicial, ser um direito de todos que estão em iguais condições (mulheres, idosos, trabalhadores, carentes, sem-tetos, doentes, estudantes, crianças, etc.[26]).
Essas decisões se mostram políticas na medida em que trazem impactos diretos no orçamento público, o que com as decisões de modo individual acaba por acarretar uma falta de compreensão dos custos decisórios e da escassez dos recursos públicos, tendo em vista que os custos de transação da execução de uma ação individual são muito maiores do que aqueles atinentes a uma ação coletiva, na qual o ente público pode adquirir um bem (por lote) ou realizar uma meta de modo global, via licitação, ou seja, a realização de um ato administrativo pelo menor custo possível, por conta da realização no atacado e não no varejo. A atualidade brasileira como descrita mostra que as decisões ativistas importam na construção de um orçamento como uma colcha de retalhos repleto de créditos suplementares e extraordinário, exatamente para realizar essas decisões sem mensuração de seu impacto conjuntural.
Assim, as decisões dos juízes no plano dos direitos sociais acabam por combinar um alto grau de discricionariedade judicial e um grande impacto político-orçamentário, provocando distorções na economia pública, por falta de compreensão das instâncias econômicas e políticas, ou seja, os juízes ao decidirem esses casos estão apenas por verem os direitos, porém, sem atentarem para as conseqüências de sua decisão ou para a exeqüibilidade do decidido[27].
Nesse pano de fundo de ativismo judicial, imprescindível salientar que essas decisões e o manuseio dos procedimentos institucionais, demonstram algumas características que apontam para um tipo ideal de juiz, a saber: o juiz político[28].
Esse tipo ideal de juiz político possui duas características centrais: um alto grau de autonomia institucional, ou seja, um conjunto de poderes decisórios para rever os atos dos demais Poderes do Estado, contudo, sem a contrapartida da intervenção dos outros poderes, que repartem em funções a soberania estatal, em sua atividade decisória; e um grande espectro de discricionariedade nos procedimentos decisórios. Tais características têm como conseqüência que a multiplicação desse tipo de juiz no quadro institucional do Poder Judiciário corresponde, outrossim, ao ativismo judicial[29].
Nesse particular, Carlo Guarnieri[30] destaca que esse tipo ideal de juiz, muitas vezes, observado na realidade, passa a atuar como um verdadeiro ator político, o que demonstra a politização como um fator importante do ativismo, na medida em que cria um perfil de juiz político, que, agregado no seu conjunto, traduz-se num movimento judicial, ou seja, em ativismo judicial[31].
“La premessa di fondo da cui muove questo approccio è che il giudice va considerato un attore politico: i suoi comportamenti possono e debbono essere descritti con lo stesso schema d’analisi adoperato per i parlamentari, gli amministratori e altri gruppi, pubblici e no. Infatti, la decisione del giudice è uno stadio, non l’unico né necessariamente quello finale, del processo di determinazione di quale fra le diverse attività in conflitto verrà favorita. Pertanto, la magistratura fa inevitabilmente parte del processo politico: i giudici partecipano al processo di formazione delle politiche pubbliche, producono diritto e nel farlo sono di necessità guidati almeno in parte dalle loro personali concezioni di giustizia e di policy, dato che il sistema normativo ha bisogno di essere interpretato, con la conseguente necessità di operare delle scelte” [32].
De outro lado, J.J. Canotilho[33], numa análise a respeito dos direitos sociais, assevera que o juiz participa da política porque desempenha um papel adequado para assumir a cumplicidade de partilhar os valores e interesses dos grupos que, perante ele, reivindicam direitos e posições prestacionais negados ou bloqueados pelos decisores político-representativos.
Assim, observa-se que o referido constitucionalista português aponta que a discussão sobre políticas públicas posta de forma individual diante do Poder Judiciário acaba por torná-lo uma arena política privilegiada, por se tratar de um poder contramajoritário, ou seja, implicitamente, pode-se aferir que o ativismo judicial e a politização decisória decorrem da própria Judicialização da Política, visto que essa provoca os magistrados a responderem as demandas e como a maioria dessas constitui casos difíceis, termina-se por engendrar uma atuação política e discricionária dos juízes[34] pelo próprio tipo de demanda.
No pano de fundo do ativismo judicial, o tipo ideal de juiz que aparece é uma espécie de juiz político, o qual é sempre provocado para responder questões sobre políticas públicas e a atuação das instituições democráticas no processo de governabilidade[35], passando a atuar com um alto grau de autonomia e discricionariedade judicial. Esses dois elementos têm uma relação de aproximação, na medida em que a grande autonomia posta pela Judicialização da Política como uma espécie de freio e contrapeso dos Poderes Majoritários, não possui uma contrapartida, o que permite uma atuação sem freios e possibilita um exercício, cada vez maior, da discricionariedade judicial, ou seja, decisões com maior grau de criatividade judicial.
Portanto, o quadro geral apresentado indica um juiz de tipo político que intervém nas políticas públicas, para, supostamente, garantir tutela e a materialidade dos direitos, especialmente, dos direitos sociais. Tal fato implica uma intervenção judicial no domínio da política que, mutatis mutandis, possui uma simetria com o Estado Social[36], ou seja, enquanto Welfare State Keynesiano pretende ser um Estado que intervenha no domínio econômico, o juiz político típico da transição entre esse Estado e o Estado Pós-social se mostra como um juiz que pretende intervir no própria governabilidade do Estado (intervenção na política), o que implica um tipo de juiz interventor da política[37].

1. 2. CLASSIFICAÇÃO SOCIOLÓGICA DO ATIVISMO JUDICIAL.

Ato contínuo, a análise do ativismo judicial em seu aspecto conceitual e em seu aspecto subjetivo (o juiz político ou interventor como protagonista), faz-se necessário estabelecer uma taxonomia do próprio conceito de ativismo judicial.
Com efeito, numa análise sociológica trabalhar com as categorias e distingui-las em seus graus de apresentação se mostra uma ferramenta imprescindível que o investigador não poderá lançar mão.
Para isso, importante repisar que a investigação em comento parte do conceito sociológico de ativismo judicial, enquanto a criação judicial do direito no exercício da função jurisdicional pelo juiz, ou seja, sem qualquer pretensão de aduzir se tal questão é certa ou errada, se é função ou disfunção, o que cabe a dogmática jurídica avaliar, a sociologia descreve o comportamento dos órgãos judiciários no exercício de sua função.
No plano sociológico, pode-se dizer que o ativismo judicial se desdobra em, pelo menos, duas categorias de observação, a saber, o ativismo judicial constitucional e o ativismo judicial inconstitucional.
O ativismo judicial constitucional consiste na execução da própria função jurisdicional, ou seja, a aplicação do direito ao caso concreto, o qual implica que, nos casos difíceis, com obscuridade, lacuna ou antinomia, o juiz usa da discricionariedade judicial de forma limitada[38] para resolver o conflito das partes, tendo em vista o princípio da proibição do non linquet[39], o qual obriga o Estado-juiz a decidir sempre que provocado.
Nesse caso, o ativismo é decorrência da própria Constituição quando habilita o Poder Judiciário a responder qualquer violação a direitos, o que na hipótese de um caso difícil acaba sendo resolvido pelo Poder Judiciário, por meio de uma atuação da discricionária dos juízes, decorrente estritamente do sistema, sendo esse um tipo de comportamento institucional inerente aos instrumentos da Judicialização da Política, como se verifica, no caso brasileiro, com os Mandado de Injunção[40] e com Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão[41].
Tais instrumentos pressupõem outros tipos de provimentos decisórios, tais como as sentenças aditivas[42] e manipulativas[43], pelas quais afloram a discricionariedade judicial como mecanismo de assegurar a força normativa da Constituição, na medida em que os direitos nela prescritos não venham a ser desrespeitados, especialmente, pelos demais Poderes do Estado. Nesse caso, trata-se de um tipo de discricionariedade com baixo grau de risco decisório, tendo em vista que se baseia direitamente nos ditames constitucionais e serve, tão-somente, para realizá-los[44].
Por outro lado, o ativismo judicial inconstitucional opera na extrapolação dos parâmetros decisórios estabelecidos pela Constituição Federal e pela Legislação, o que implica num uso exacerbado da discricionariedade e uma construção política do direito pelos tribunais de modo a afrontar o direito já existente.
Dessarte, esse tipo de ativismo judicial implica um decisionismo judiciário, o qual não atenta para as conseqüências ou impactos conjunturais provocados por sua decisão. Sob a justificativa de garantir direitos, esse tipo de decisão que mais se aproxima da característica de legislação judiciária, isto é, o Poder Judiciário como Policy-maker do que propriamente aquela típica das sentenças aditivas, termina por desfigurar os mecanismos de governabilidade e os procedimentos democráticos e institucionais[45].
Um desses principais mecanismo desfigurados é o orçamento, o qual, por conta das constantes intervenções judiciais, em sede de demandas individuais, transparece-se na imagem de uma colcha de retalho, cheia de créditos suplementares que obstaculizam outras políticas públicas. Todavia, tal fato não é levado em conta pelos juízes ativistas inconstitucionais, os quais abusam do poder decisório, entretanto, sempre ancorados na retórica da garantia de direitos.
A hipótese apresentada tem, inclusive, uma espécie de concorrência de multiplica implicação de polaridade negativa entre o direito já existente e a mutação operada pelo ativismo inconstitucional, ou seja, uma disputa entre Poder Legislativo e Poder Judiciário ou Tribunal Constitucional sobre quem detém a função de criar o direito, o que implica um descompasso entre a democracia constitucional e a revisão judicial como mecanismo contramajoritário, passando o Judiciário ou Tribunal Constitucional, dependendo da realidade,  a atuar de forma contramajoritária sob a ilusão de uma atuação legitimada pela Constituição[46], o que, na prática, significa a maximização do subjetivismo interpretativo[47] e uma disputa institucional sobre quem realmente cria o direito.
 Portanto, para efeitos metodológicos, as menções realizadas ao ativismo judicial, de forma genérica, sempre têm como condão de tratar da atividade criativa dos juízes. Contudo, essa atividade criativa pode ser classificada como constitucional e inconstitucional. Constitucional será a criação realizada pelo Poder Judiciário nos casos autorizados pelo texto constitucional e que não produzem distorções nos instrumentos de governabilidade e nas instituições democrático-representativas do Estado. Por seu turno, inconstitucional será a criação do direito ou a formulação de políticas públicas pelos juízes como uma transposição daquelas funções descritas na Constituição ou, ainda, o exercício daquelas autorizadas, porém, realizadas para maquiar as distorções e os impactos profundos nos meios de governabilidade e nas instituições democrático-representativas do Estado, sob a retórica da defesa dos direitos inscritos na Constituição Federal.
Em síntese, a partir dessas categorias analíticas buscar-se-á compreender como a atuação deficiente do legislador serve como vetor de propulsão do ativismo judicial, tanto em seu gênero, como em suas espécies. Desse modo, observa-se que cada uma dessas espécies implica num grau estável e instável de subjetivismo dos magistrados, consoante descrito acima, o que passa a ser verificado, a partir da atuação do Poder Legislativo.

2. ATUAÇÃO DEFICIENTE DO LEGISLADOR COMO FATOR DE ATIVISMO JUDICIAL.

Avançando-se nos objetivos analíticos da presente pesquisa, faz-se imperioso examinar a hipótese levantada, no sentido de que a atuação do Legislador possui um impacto direto no cenário político-jurídico, pois, dependendo dos resultados, os riscos[48] assumidos por essa decisão implicarão um conjunto de demandas sobre a direção do Estado (governabilidade) ou sobre as políticas públicas, enquanto instrumentos político-administrativos de realização dos direitos sociais, o que terá como resultado uma atuação ativista do Poder Judiciário.
Uma das maiores celeumas a esse respeito encontra-se no plano das policies, tendo em vista um conjunto de demandas que são levadas a esfera judiciária e provocam a revisão judicial (o controle difuso da constitucionalidade) dessas políticas públicas na dimensão de seu conteúdo[49] ou escolhas, bem como possuem pedidos que demandam decisões discricionárias ou ativistas. E a polêmica se mostra justamente na compreensão de que os recursos estatais são escassos, ou seja, a dimensão econômica da realização dos direitos sociais, por meio da avaliação dos custos decisórios e dos custos de transação para sua execução dessas decisões[50], porque levando-se em consideração essas premissas, toda escolha legislativa é contingente, ou seja, poderia ser de outra forma, pois, as decisões, na maioria dos casos são tomadas de acordo com os programas de governo referendados de forma democrática pelas eleições, o que torna, em tese, transparente a escolha de quais serão prioridades, ou seja, que serão umas e não outras para construção das políticas públicas, sendo que tal dimensão escapa do olhar dos tribunais, os quais se mostram míopes dessa globalidade de condições institucionais.
Assim, o Poder Judiciário ao observar as políticas públicas não possui essa dimensão, o que aparece como uma possível atuação deficiente do legislador aos olhos dos tribunais, todavia, na prática, tal conduta se mostra adequada ao cenário político, porque leva em considerações todas as variáveis do cálculo de risco (relação custo/benefício) e nem sempre é analisada pelo Poder Judiciário nos procedimentos de revisão judicial.
Desse modo, teceu-se essa observação para demonstrar que não é esse tipo de atuação legislativa que poder-se-á considerar como deficiente, pois, a atuação dentro de um programa de governo encontra-se dimensionado pelo espectro decisório da política, bem como tem legitimidade popular, porque foi referendado pela voto popular durante a escolha democrática dos representantes políticos do povo.
O problema, entretanto, aparece quando o próprio povo não reconhece as instituições democráticas ou seus representantes como capazes de garantir a materialização de seus interesses, mas declaram que visualizam antes instituições (partidos e candidatos) capturadas pelos grupos de interesse que patrocinam as campanhas eleitorais, para, posteriormente, cobrarem favores, por meio da satisfação de políticas distributivas a seu favor[51], o que representa um déficit democrático.
Dessa forma, a atuação legislativa deficiente implica uma atuação que distorce o sentido da representação popular, para privilegiar os grupos de interesses que exercem pressão ou fazem lobby no cenário político.
O tratamento dessa atuação deficiente será, outrossim, realizada por meio de duas categorias analíticas: a hipertrofia e a omissão legislativa. A partir desses dois modos de atuação deficiente, buscar-se-á compreender a relação entre esse tipo de construção legislativa e o ativismo judicial.
Portanto, a manipulação do direito em favor de grupos de interesse ocultadas por uma atuação deficiente e transferência das responsabilidades políticas das instituições democráticas para arena decisória do Poder Judiciário serão o objeto de investigação das duas subseções, para verificar tanto a superprodução legislativa, como a sua ausência de regulação como vícios da atuação legislativa que geram déficits democráticos, os quais tentam ser contornados pela atuação politizadas dos tribunais, mas que, na prática, acabam por provocar mais distorções e potencializar uma democracia deficiente e carente de representação político-institucional.

2.1. ATUAÇÃO DO DEFICIENTE DO LEGISLADOR COMO HIPERTROFIA LESGISLATIVA.

Consoante se observou alhures, um dos vícios da atuação deficiente do legislador constitui-se na superprodução ou hipertrofia de regulação estatal.
 A hipertrofia legislativa é fenômeno típico do Estado Social de Direito ou da sua própria crise como asseverou Günther Teubner[52], pois, as esferas sociais da vida passam a ser objeto de prescrição Constitucional, legislativa e regulamentar, porque o Estado não intervém apenas no domínio econômico, mas em todas as áreas atinentes à vida em sociedade, do que resulta uma juridificação das esferas sociais, tais como a política, a economia, a saúde, a educação, a ciência, os esportes, a religião e etc., implicando uma criação vultosa e explosiva da Regulação Estatal.
“Juridification is an ugly word – as ugly as the reality which it describes. The old formula used to describe the excess of law, fiat justitia, perat mundus, at least had the heroic quality of a search for justice at all cost. Today we no longer fear the proliferation of law will bring about the end of the world but we do fear ‘legal pollution’. The bureaucratic sound and aura of the word juridification indicate what kind of pollution is primarily meant; the bureaucratization of the world. To put it in the language of sociology law, when used as a control medium of the welfare state, has at its disposal modes of functioning, criteria of rationality and form of organization which are not appropriate to ‘life-world’ structures of the regulated social areas and which therefore either fail to achieve the desired results or do so at the cost of destroying theses structures. The ambivalence of juridification, the ambivalence of a guarantee of freedom that is at the same time a deprivation of freedom, is made clear in the telling phrase ‘the colonialization of the life-world’, which was coined by Habermas. Social Modernization at the expense of subjection to the logic of system and the destruction of intact social structure is the essence of this idea”[53].
Num cenário de hipertrofia legislativa, paradoxalmente, o espaço para decisões discricionárias, no âmbito do Poder Judiciário, é ampliado, tendo em vista que há um potencial maior para a criatividade judicial por conta da exagerada regulação estatal[54], principalmente com a constitucionalização dessas esferas da vida como direitos econômicos e sociais[55].
 Isso porque, ao contrário do que pareça, uma superprodução legislativa ou mesmo a constitucionalização[56] de direitos não implica a redução dos espaços de liberdade de decisão juiz, mas os amplia, na medida em que a hipertrofia legislativa sempre acaba sendo realizada de forma desordenada e provoca um conjunto de contingências decisórias. Tais contingências se mostram com a obscuridade dos institutos jurídicos, as antinomias e as lacunas produzidas por esse tipo de atuação legislativa, haja vista que, muitas vezes, essa legislação cria ou declara novos direitos, mas não precisa os mecanismos de sua realização, bem como não fornece a indicação de quem é o ente responsável por sua materialização, o que acaba sendo levado ao Poder Judiciário, que é obrigado a lançar mão da discricionariedade judicial para resolver o problema.
Nesse sentido, tanto o ativismo judicial constitucional como o ativismo judicial inconstitucional ganham espaço, pois, permite-se uma maior criatividade judiciária para resolver as demandas, o que maximiza outro vetor importante da hipertrofia legislativa, a explosão da litigiosidade[57]. Essa explosão se mostra latente porque, na medida em que há muita legislação, desencadeia-se uma série de conflitos, os quais vão se multiplicando diariamente e permitem que se resolva tais casos pela criação judicial nos termos da Constituição Federal ou em termos de uma atuação que se volta contra o direito posto, num tipo de decisionismo judiciário ou no plano do Supremo Tribunal Federal, uma Supremocracia[58] avessa aos padrões normativos da Constituição.
Dessarte, a superprodução legislativa acaba se apresentando como um vício da atuação legislativa, na medida em que esse inchaço de leis permite iludir a defesa dos interesses populares, quando, na realidade, esconde, por trás, a concessão de privilégios a grupos de interesse, o que compromete o ideal de democracia, engendrando um déficit democrático.
Outra característica da hipertrofia legislativa consiste na produção de leis cada vez mais vagas, como conceitos jurídicos indeterminados, o que serve como mecanismo de fuga da responsabilidade políticas da criação das decisões vinculantes, enquanto padrões normativos, o que viabiliza uma maior atuação do Poder Judiciário[59].
Assim, a magistratura é convocada ou provocada pelo jurisdicionado para equacionar a imprecisão do direito e estabilizar os níveis de insegurança jurídica, como mecanismo de freio e contrapeso diante das distorções dos Poderes Políticos (Legislativo e Executivo). Entretanto, na prática, essa função, ao invés de reduzir os riscos decisórios, os amplia, na medida em que no cenário do ativismo judicial, especialmente do ativismo judicial inconstitucional, prolifera um conjunto de decisões ad hoc e precedentes heterogêneos, o que torna a criação e a própria interpretação do direito mais fragmentada e instável, bem como tem um alto custo de transação, na medida em que, por vezes, só chegam a um provimento definitivo no Supremo Tribunal Federal, o que nem sempre significa certeza de atendimento do pleito[60].
Logo, quando o Poder Judiciário diante de uma hipertrofia de direitos, com conceitos jurídicos abertos, vagos e indeterminados, decide de forma discricionária ou ativista, terminando por majorar o déficit democrático, ao invés de minorá-lo, tendo em vista que se instala um governo dos juízes, os quais não têm representatividade popular, mas tão-somente possuem uma compreensão de técnica das operações jurídicas e só conseguem ver a política pelos olhos do direito, sem compreender as dimensões em que se inserem os conflitos sociais próprios desse tipo de arena.
Verifica-se que o cenário da hiperprodução legislativa não resolve o problema do ativismo judicial, tampouco elimina o déficit democrático, mas, ao contrário, potencializa ambas as contingências sociais, o que implica uma situação de alto risco institucional, porque ilude os destinatários normativos, por conta da declaração de direitos, quando, na realidade, escamoteia os benefícios concedidos aos interesses organizados.
Ademais, no âmbito do Poder Judiciário não apenas o problema da instabilidade decisória e da insegurança jurídica, por meio de decisões ad hoc e de precedentes heterogêneos, se mostra significante, mas esse próprio cenário de instabilidade, em que o Judiciário aparece como arena política, pode ser, ainda, mais chocante, na medida em que, nessa conjuntura, pode ocorrer a manipulação desse Poder do Estado, por grupos de interesse que se alimentam de forma parasitária, por meio do lobby judiciário, para  a obtenção judicial de seus benefícios, o que se mostra preocupante para a imparcialidade decisória.
Esses efeitos, ainda, são de menor risco, perto da possibilidade de venda e compra de sentenças, manipulação de um conjunto de decisões para favorecimentos pessoais, familiares ou de determinados grupos, sendo tudo isso obscurecido pela desordem de uma normatividade vasta, antinômica e cheia de lacunas. A hipertrofia legislativa[61], assim, maximiza a discricionariedade judicial, o que potencializa a insegurança jurídica pela falta de padronização e uniformização decisória no âmbito do Poder Judiciário, o que permite encobrir uma série de corrupções institucionais e colocar em xeque a democracia no caso brasileiro.
Portanto, depreende-se que os resultados da hipertrofia legislativa apontam para ampliação do risco democrático, na medida em que possibilitam um maior favorecimento dos grupos de interesse no âmbito legislativo, bem como numa atuação ativista do Poder Judiciário, especialmente, de uma atuação inconstitucional, mas maquiada pelo uso dos procedimentos e de um cenário de alta discricionariedade, encobrir um conjunto de distorções da imparcialidade judicial. Além disso, mesmo no caso de não se afetar a imparcialidade judicial, quando os magistrados pretendem suprir o déficit democrático por meio do provimento jurisdicional, o resultado é a majoração de tal deficiência institucional, porque os juízes não possuem legitimidade popular para tal intento.
Em síntese, a hipertrofia legislativa corrobora a distorção institucional da política, bem como numa observação analítica serve como um vetor de propulsão do ativismo judicial, o qual se manifesta em suas duas espécies, mas, principalmente, na sua vertente inconstitucional, o que autoriza uma série de outras distorções institucionais que, ao invés de purgarem pela solução dos conflitos, criam novos conflitos e engendram novas questões a serem debatidas, para não dizer que implicam a precarização da própria democracia, o que acaba por tornar o exercício da soberania pife, em termos de eficiência, por conta da centralização do trabalho, ao invés da sua distribuição[62].

2.2. ATUAÇÃO DEFICIENTE DO LEGISLADOR COMO OMISSÃO LEGISLATIVA.

Outra forma de atuação deficiente do legislador que serve como elemento de propulsão do ativismo judicial e das decisões discricionárias é a ausência de legislação que garanta a facticidade ou a materialização dos valores institucionalizados no texto da Constituição, ou seja, a omissão legislativa, assim como a hipertrofia legislativa, tem como resultado final uma protagonização judiciária.
A omissão legislativa[63] permite a discricionariedade judicial em seu sentido mais puro, bem como incita a politização do judiciário em seu sentido mais amplo, ou seja, a ausência de regulação normativa por parte do Poder Legislativo propicia um amplo espaço para criação do direito judiciário, o qual significa a potencialização do ativismo judicial.
O próprio ordenamento jurídico brasileiro ao criar os mecanismos de Judicialização da política propiciou o ativismo judicial (enquanto atividade criativa dos juízes) na medida em que estabeleceu a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, no âmbito do Controle de Constitucionalidade pela via Concentrada, bem como o Mandado de Injunção na via Incidental.
Nesse diapasão, ao mesmo tempo em que esses mecanismos servem como instrumentos da normatividade jurídica que permitem a supressão de lacunas do direito constitucional, para garantia dos direitos fundamentais, engendrando a possibilidade do ativismo constitucional. Entretanto, tal fenômeno institucional tem como um de seus efeitos perversos o desencadeamento do ativismo inconstitucional ou a intervenção judicial na política como uma constância.
Ademais, a própria omissão legislativa amplia o déficit democrático na medida em que o Poder Legislativo transfere a responsabilidade da regulação jurídica para o âmbito do Poder Judiciário, recusando-se a decidir e a interferir nos benefícios concedidos aos grupos de interesse, o que abre a brecha para a intervenção, cada vez maior do Poder Judiciário não apenas na fiscalização da Constitucionalidade, mas no funcionamento operacional das instituições democráticas[64].
Nesse plano, o Poder Judiciário passa a operar como uma arena política (verdadeiro Veto Player), na medida em que passa a construir o direito nos vazios deixados pela Legislação, a partir do que os Ministros do STF acabam entendendo como Constitucional, por conta da falta, inclusive, da homogeneidade decisória do próprio órgão de cúpula do Poder Judiciário[65].
Assim, a falta regulação jurídica por parte do legislador agregada ao ativismo judicial amplia o processo de politização do Judiciário, na medida em que os grupos que não têm sua pretensão atendida no âmbito legislativo, nas agências reguladoras e nos demais órgãos administrativos, se voltam para o Judiciário com o intuito de obter benefícios distributivos, por meio do lobby judicial.
É justamente na omissão legislativa que fica escancarada a atuação ativista do Judiciário, hodiernamente, na medida em que esse se encontra obrigado a solucionar os conflitos e, verificando que declarar o legislador em mora não tem efeito algum, acaba por construir decisões que venham de encontro com as prescrições constitucionais[66].
Tanto é assim, que nos casos de omissão são possíveis as sentenças aditivas e as sentenças substitutivas, as quais implicam o controle de constitucionalidade por omissão, em espécies de construção judiciária da supressão da omissão legislativa, por meio da decisão judicial, o que se mostra como uma faceta do ativismo judicial constitucional, porém, podendo desembocar numa espécie de ativismo judicial inconstitucional, por conta da manipulação desses instrumentos para construção de direito flagrantemente incompatíveis com a ordem jurídica, ou, em outras palavras, eivados pelo vício da inconstitucionalidade ou resultam numa espécie de mutação inconstitucional[67].
Ademais, o caso da omissão legislativa se mostra assaz visível especialmente no plano dos direitos sociais, seja por políticas públicas parcialmente omissas, seja pela ausência na formulação das policies adequadas. Nesse sentido, autoriza-se o Judiciário a realizar a revisão judicial dessas decisões políticas, o que, outrossim, mostra o despreparo dos juízes, na medida em que não conseguem entender as questões financeiras, os rearranjos institucionais, e tampouco a limitação dos recursos públicos.
Portanto, verifica-se que omissão legislativa desemboca, outrossim, num ativismo judicial que poderia ser constitucional, mas na maioria dos casos se mostra inconstitucional, tanto porque os juízes não compreendem a dimensão dos novos direitos, bem como não possuem qualquer conhecimento técnico sobre orçamento ou impacto conjuntural do efeito de suas decisões em outras políticas públicas, o que mostra quão perigosa é a omissão legislativa e o tipo de discricionariedade quase que absoluta é concedida ao magistrado, no momento em que opera a revisão judicial da omissão[68].
Em suma, observa-se que a omissão legislativa, enquanto atuação deficiente do legislador, tem como resultado uma maximização do subjetivismo, uma desordem orçamentária operada pela intervenção jurisdicional e uma compreensão equivocada dos direitos sociais, o que simboliza uma ampliação do déficit democrático e uma desmobilização social[69].

3. O ATIVISMO BRASILEIRO COMO DECORRÊNCIA DA ATUAÇÃO DEFICIENTE DO LEGISLADOR E DA CONSTRUÇÃO DESCONEXA DO DESENHO INSTITUCIONAL DECISÓRIO: A POSSIBILIDADE DE DECISÕES AD HOC E PRECEDENTES HETEROGÊNEOS.

Consoante já se demonstrou o ativismo judicial no caso brasileiro tem como um de seus vetores de propulsão à atuação deficiente do Legislador, tanto pela hipertrofia da regulação, como pela omissão legislativa, resultando num déficit democrático,em termos de representação, tendo em vista que os Poderes democráticos, principalmente, o Poder Legislativo é capturado pelos grupos de interesse, o que representa mais um governo dos grupos do que propriamente um governo popular[70].
Entretanto, esses não constituem o núcleo essencial da multiplicação do ativismo, mas sim a falta de uma engenharia institucional capaz de dar conta dos problemas da incoerência e a inconsistência decisória, ou seja, a criação e a conexão de mecanismos de uniformização e padronização da jurisprudência. As conseqüências dessa ausência de padronização decisória têm como efeito uma crescente produção de decisões ad hoc e precedentes heterogêneos.
No plano da criação dos instrumentos de padronização e uniformização da jurisprudência, observa-se que o sistema jurídico brasileiro procura dar conta da necessidade de instrumentos que tornem essa pretensão viável, paradoxalmente, encontrando-se tais meios nos mesmos mecanismos que possibilitam a Judicialização da Política e, via de regra, o ativismo Judicial.
Esses instrumentos podem ser enumerados da seguinte forma: a) Os instrumentos do Controle de Constitucionalidade pela via Concentrada ou Direta, no qual se obtém decisões com efeito vinculante[71] e eficácia erga omnes; b) Os mecanismos do Controle de Constitucionalidade pela via Difusa ou Incidental, na medida em que se criam mecanismos de padronização dessas decisões sobre a constitucionalidade, como, por exemplo, as súmulas vinculantes[72], a repercussão geral, a reclamação, o incidente de inconstitucionalidade e a cláusula de reserva plenário nos tribunais inferiores; c) o incidente de uniformização da jurisprudência.
Esse instrumentos, em tese, deveriam encontrar-se em conexão para evitar, no mínimo os precedentes heterogêneos, ou seja, impedir que dentro do mesmo tribunal, os diversos órgão colegiados decidissem a mesma questão de forma diferente, o que implica uma aleatoriedade decisória e uma irracionalidade, que, na prática, o jurisdicionado quando interpõe um recursos ou propõe uma ação de competência originária fica à mercê da sorte (Alea) para saber qual resultado sua demanda terá, de acordo com a distribuição realizada.
Nesse sentido, os precedentes heterogêneos representam um tipo concreto de ativismo judicial inconstitucional, na medida em que possibilita a criatividade dos juízes, porém, sem uma padronização decisória, terminando por maximizar os riscos e os custos decisórios, bem como gerar uma insegurança jurídica incalculável. Isso porque a idéia do precedente pressupõe uma vinculação institucional que aponta para uma tradição e um tipo formal de racionalidade decisória própria dos tribunais, entretanto, o seu predicado heterogêneo significa o oposto da pretensão tradicional, de forma que o tribunal possui um conjunto de posições antagônicas internamente, ou seja, cada Câmara, Turma ou Seção tem um entendimento diferente e o órgão plenário ou a Corte Especial não põe fim a essa divergência, porque toda vez que convocada a decidir, o faz, mas tão-somente para negar seguimento, asseverando que a matéria não está amadurecida no seio do tribunal e, por isso, de acordo com a discricionariedade do tribunal, deve-se manter o estado das coisas.
Assim, verifica-se que, principalmente, o incidente de inconstitucionalidade e sua cláusula de reserva de plenário dificilmente são respeitados, bem como o incidente de uniformização da jurisprudência dos tribunais praticamente inexiste, o que, por conseguinte, tem como resultado final um conjunto de reclamações no Supremo Tribunal Federal, por conta do descumprimento dos preceitos das súmulas vinculantes, das decisões sobre a repercussão geral e dos fundamentos determinantes do próprio Controle de Constitucionalidade pela via concentrada.
Depreende-se, nesse caso, que há um descompasso ou uma desconexão dos instrumentos institucionais de uniformização e padronização da jurisprudência dos tribunais abaixo do Supremo Tribunal Federal, na medida em que não se encontram obrigados a estandardizar seus precedentes, tendo como observação final uma alea decisória e o aumento do custo judiciário, porque a decisão só obterá seu resultado final apenas no STF, o que torna morosa justiça e alarga o custo de transação e operação do Judiciário, para aqueles que apenas procuram uma tutela jurisdicional adequada[73].
Ademais, como o sistema do controle de constitucionalidade é difuso, cada tribunal, cada juiz, passa a ser um Tribunal Constitucional[74], o sentido das normas constitucionais se esvazia, possibilitando uma vagueza e uma imprecisão sobre quais são os direitos das partes, bem como qual é a interpretação dada pelos tribunais acerca da Constituição Federal.
Nessa dimensão, os juízes singulares, outrossim, têm o poder de um Tribunal Constitucional, porque podem decidir sobre a constitucionalidade das leis, das políticas públicas e dos atos administrativos diante do caso concreto, e, na prática dessas decisões, examina-se que os órgão judiciais acabam por rejeitar a aplicação da lei, para aplicarem diretamente à Constituição e seus princípios[75], o que resulta numa Justiça (como resultado da prestação jurisdicional) com decisões ad hoc no seu primeiro grau de jurisdição.
Dessarte, as decisões ad hoc consistem nas sentenças dos juízes de primeira instância, porém, com uma extrema falta de padronização, na medida em que: o mesmo magistrado julga casos iguais de forma diferente; vários órgãos singulares julgam casos iguais de formas diferentes; bem como essas decisões nem sempre respeitam a jurisprudência dos tribunais superiores ou mesmo inferiores, além de serem, por vezes, decisões totalmente arbitrárias e inconstitucionais, tanto do ponto de vista material como formal.
Tal problema se apresenta como uma política judiciária mal formulada, na medida em que, no plano da engenharia institucional, apesar dos mecanismos de padronização e uniformização da jurisprudência existirem, não há uma conexão institucional que vinculem todos os instrumentos, o que possibilita a perpetuação dos precedentes heterogêneos e das decisões ad hoc.
Portanto, observa-se que, além da deficiência do legislador com a hipertrofia e a omissão legislativa, há uma desconexão entre os mecanismos de redução do risco decisório, na medida em que não há obrigatoriedade das instâncias inferiores uniformizarem suas decisões de acordo com as decisões vinculantes dos Tribunais de sobreposição, permitindo-se, destarte, a expansão da insegurança jurídica e da alea decisória, ou seja, do ativismo inconstitucional.
Ademais, agregado a essa fator, a descentralização do Controle da Constitucionalidade, por conta da adoção de um sistema difuso, termina por dar maior propulsão ao ativismo judicial, na medida em que cada juiz é um tribunal constitucional, o que significa dizer que a Constituição se torna um lugar comum, uma muleta retórica, para o exercício do ativismo judicial inconstitucional.
Em síntese, um sistema difuso do Controle da Constitucionalidade somado a falta de padronização da jurisprudência cujo resultado é a aleatoriedade decisória, outrossim, cria um déficit democrático, na medida em que institucionaliza a arbitrariedade decisória e esvazia o sentido da Constituição, enquanto o reconhecimento máximo da Institucionalização dos Valores da Soberania de forma a torná-los passíveis de vinculação, para torná-la um topos oligárquico.

CONCLUSÃO

Após examinar-se as principais causas do ativismo judicial brasileiro, tanto numa perspectiva descritiva, como também como algumas indagações prescritivas ou normativas, no plano analítico, faz-se mister tecer algumas considerações finais acerca do tema.
Primeiramente, importante salientar que o ativismo judicial enquanto categoria de pesquisa, se mostra como uma decorrência da Judicialização da Política e da Politização da Justiça, apresentando-se como a materialização da discricionariedade judicial, ou seja, como a atuação de um grupo de juízes que passam a criar o direito na instância institucional do Poder Judiciário.
Verifica-se que há dois tipos de ativismo judicial, o ativismo constitucional que importa numa criação judicial por um mandado constitucional, o qual impõe aos juízes o dever de decidir e suprir as lacunas, reparar as antinomias jurídicas e esclarecer as obscuridades do direito e, de outro lado, o ativismo inconstitucional o qual consiste no uso exacerbado da discricionariedade judicial, o qual implica no uso da discricionariedade para instalação de uma democracia judicial.
Além disso, as pesquisas apontaram que há um tipo ideal de juiz no cenário do ativismo judicial, a saber, o juiz político ou o juiz interventor da política, o qual possui uma grande autonomia institucional e um alto grau de discricionariedade, isto é, nenhuma intervenção institucional dos outros Poderes no exercício de sua função e uma imensa possibilidade de criar regras no processo decisório.
Nesse sentido, observa-se que o ativismo judicial, de certa forma, decorre da própria atuação deficiente do legislador, na medida em que capturado pelos grupos de interesses termina por deixar de lado sua função de gerar decisões vinculantes, o que gera um déficit democrático. Esse déficit democrático acaba sendo um dos motivos que o Poder Judiciário se avoca para uma atuação ativista tentando solucionar tal contingência. Entretanto, paradoxalmente, ao tentar minorar o déficit democrático, o Judiciário como um poder técnico e contramajoritário termina por aumentar as dimensões desse déficit.
Esse aumento se dá de acordo com as três formas de atuação deficiente do legislador, a saber: 1) hipertrofia legislativa; 2) omissão legislativa; 3) Um sistema decisório mal desenhado no plano da engenharia institucional.
No primeiro caso, a hipertrofia, ao invés, de reduzir a insegurança e a discricionariedade, essa vultosa produção legislativa realizada sempre de forma desordenada tem como resultado uma explosão da litigiosidade, o que de per se já majora o ativismo judicial, porém, tal fato se agrega a construção legislativa imprecisa e vaga, ou seja, passível de manipulação para concessão de benefícios aos grupos de interesse, bem como por conta da desordem, um conjunto de normas antinômicas, obscuras e de cheias de lacunas, o que potencializa a discricionariedade judicial, dando espaço tanto para ativismo constitucional, como para aquele de tipo inconstitucional.
Outro motivo determinante do ativismo como decorrência da atuação deficitária do legislador é a omissão da regulação jurídica, especialmente, aquela atinente à garantia da realização dos direitos fundamentais, o que demonstra a pouca preocupação do legislador ordinário com prioridades básicas da cidadania, autorizando, implicitamente, a construção judiciária, bem como a intervenção do Judiciário em políticas públicas, o que implica na garantia de direitos de um lado e de outro uma desordem tamanha que culmina como uma política orçamentária fragmentada ou, então, projetada na figura de uma colcha de retalhos.
Assim, a omissão legislativa possibilita uma maior intervenção judiciária e a instalação do governo pelo Judiciário, o qual passa a funcionar como uma arena política (Veto Player), fazendo com que alguns grupos de interesse migrem para o Judiciário e o tornem politizado. Tal politização sem freios e contrapesos termina por ampliar o déficit democrático e criar um governo de uma oligarquia togada, o que afronta diretamente o ideal ocidental de democracia como a relação entre governo e oposição no controle da maioria politicamente organizada, mas com salvaguardas do respeito às minorias.
Além desses fatores, um dos principais fatores, senão o núcleo teórico dessa atuação deficiente do legislador, consiste no desenho institucional defeituoso, no plano da engenharia institucional das decisões judiciárias. Pois, ao criar mecanismos de padronização e uniformização da jurisprudência em todas as instâncias decisórias, o Legislador Brasileiro não fez qualquer conexão entre eles, o que permite a reprodução de decisões inconstitucionais e distorções decisórias, bem como a prevalência do ativismo inconstitucional sobre o ativismo constitucional, por meio das decisões ad hoc e dos precedentes heterogêneos.
Dessarte, decisões ad hoc e precedentes heterogêneos constituem as principais marcas do ativismo inconstitucional, na medida em que permitem não apenas uma atuação discricionária dos Tribunais de Sobreposição, mas em todas as instâncias, tanto com juízes singulares julgando casos iguais de formas diferentes em relação as suas próprias decisões como em confronto com as decisões de outros juízes. Nesse diapasão, far-se-ia mister superar essas decisões ad hoc nos tribunais, mas a falta de padronização da jurisprudência dos tribunais inferiores cria um problema semelhante nas Cortes na medida em que os chamados precedentes heterogêneos  instauram uma situação de alea, pois, num mesmo tribunal é possível observar posições antagônicas sobre a interpretação do direito e que se externam nos Acórdãos, ou seja, nos procedimentos decisórios como uma incoerência e inconsistência jurisprudencial, tendo como resultado final uma aleatoriedade decisória e um aumento do custo decisório, do déficit democrático.
Portanto, conclui-se que por conta de um déficit democrático da atuação deficiente do legislador, agregado à própria construção desconexa de uma política judiciária da decisão e da falta de freios e contrapesos mais adequados, esse cenário corrobora o nascimento, o crescimento e o descontrole do ativismo judicial que migra de uma busca pelo ressarcimento do déficit democrático, para um governo dos juízes e uma constante intervenção judiciária na política, em suas diversas dimensões, o que vai no sentido contrário do que é um Estado Democrático de Direito.
Assim, resta apenas uma dúvida contingente: se a democracia é construída pela consolidação das instituições político-representativas, a atuação deficiente do Poder Legislativo e o Ativismo Inconstitucional do Poder Judiciário se mostram contrários a essa pretensão, como, então superar o modelo vigente? Esse seria apenas um problema da juventude da democracia brasileira que se mostra inconseqüente?
A única resposta que se pode se dar é que a democracia se constrói por meio da participação popular nas instâncias decisórias, tanto para fiscalizar, como para exigir as transformações necessárias aos modelos institucionais que criam a ilusão da concessão de direitos, mas encobrem por detrás a desmobilização social, ferindo o ideal máximo de uma democracia no cenário posto no século XXI, visto que sem mobilização, sem voz não há democracia na prática (Law in action), mas apenas no papel (Law in Books).




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[1] Cf. BARAK, Aharon. The Judge in a democracy. 2006, p. 140; Cf. VIERA, Oscar Vilhena. Supremocracia. 2008, p. 448.
[2] A respeito do sentido dos fatos institucionais, Neil MacCormick assumindo uma posição institucionalista salienta que os tais elementos teóricos correspondem fatos passíveis de interpretação e que dependem de eventos, do comportamento das instituições num quadro geral de uma ordem normativa, conforme se depreende de sua explicação: “The world of human beings is one that includes not only sheer physical facts and realities, but also institutional facts. By way of preliminary definition, these are facts that depend on the interpretation of things, events, and pieces of behaviour by reference to some normative framework. […]  We deal here with social realities that are ‘institutional’ through and through”. MACCORMICK, Neil. Institutional of Law: An Essay in Legal Theory. 2007, p 11.
[3] Cf. TEUBNER, Günther. Juridification of social spheres: a comparative analysis in the Areas of Labor, Corporate, Antitrust and Social Welfare Law. 1987, pp. 6-13.
[4] Günther Teubner trata essa questão da juridificação das esferas sociais aduzindo que esse fenômeno social constitui um pressuposto da própria sociedade moderna, a qual teve como início a crise do Estado de Bem-Estar Social Europeu, no final da década de 1980 e se perpetuou no Estado Pós-social, tendo, inclusive, reflexos no plano internacional: “Entonces, si es cierto que la política internacional en todo caso está en condiciones de promover su propia constitucionalización, pero no la del conjunto de la sociedad mundial, si además es cierto que ante la deriva evolutiva de los procesos globales de racionalización existe la necesidad normativa de garantizar espacios de autonomía para la reflexión, se plantea la ulterior cuestión de si los sectores sociales globales tienen el potencial de autoconstitución. En este punto se trata de destacar una importante relación entre juridificación. Todo proceso de juridificación contiene necesariamente simultáneamente normas constitucionales latentes”. TEUBNER, Günther. El Derecho como sistema autopoiético de la sociedad global. 2005, pp. 89-90.
[5] Nesse sentido, Maria Paula Dallari Bucci, nos seguintes termos: “A possibilidade de submeter uma política pública a Controle Jurisdicional é inquestionável, diante da garantia ampla constante do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal: ‘A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’. A proposição constitucional centra-se na proteção a direito, sendo esse o elemento de conexão a considerar. O Judiciário tutela as políticas públicas na medida em que elas expressem direitos. Excluem-se, portanto, os juízos acerca da qualidade ou de adequação, em si, de opção ou caminhos políticos ou administrativos do governo, consubstanciados na políticas públicas”. BUCCI, Maria Paula Dallari.  Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. 2006, p. 31.
[6] Cf.TSEBELIS, George. Veto players: how political institutions work. 2002, pp. 225-228.
[7] Cf. FARIA, José Eduardo (Org). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. 2005, p. 17.
[8] Nesse particular, Marcos Paulo Veríssimo salienta que: “Sob um prisma externo à dogmática constitucional, o primeiro produto mais importante desse novo arranjo constitucional consistiu em uma espécie de “fuga” cada vez mais acelerada dos temas políticos (de política pública, de ação governamental executiva, de política representativo-partidária) para dentro do mundo do direito e, deste, para dentro dos órgãos judiciários. Esse processo, chamado globalmente pela alcunha de ‘judicialização’, que se torna cada vez mais prevalente na experiência nacional, não parece ter sido, ademais, um resultado imprevisto do novo arranjo constitucional. Ao revés, parece ser um resultado previsível e talvez desejado por esse mesmo arranjo, na medida em que, para além de traduzir o compromisso de democracia social para dentro do léxico do direito, o texto constitucional promulgado em 1988 também cuidou de criar novos mecanismos de tutela judicial capazes de viabilizar a ‘implementação’ dos ‘direitos’ e ‘princípios’ de transformação social incorporados à nova carta”. VERÍSSIMO, Marcos Paulo. A Constituição de 1988, Vinte Anos Depois: Suprema Corte e Ativismo Judicial “À Brasileira”. 2008, p. 408.
[9] Cf. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. Direito Constitucional, Direito Ordinário, Direito Judiciário. 2005, p. 10.
[10] Cf. MÜLLER, Friedrich. Método de trabalho do direito constitucional. 2005, pp. 47-49.
[11] Para efeitos metodológicos, a criação normativa se dá quando o juiz fazendo uso da discricionariedade judicial cria uma regra e a aplica retroativamente ao caso sob análise. Cf. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 2002, p. 127.
[12] A respeito do conceito de Politização da Justiça, Celso Fernandes Campilongo[12] aduz esta sempre encontra-se atrelada a três cargas negativa: partidarismo, ilegalidade e “suplenza”. O citado autor analisa o conceito de politização da magistratura, a partir desses três pontos, do seguinte modo: “A expressão ‘politização da magistratura’ vem sempre associada a uma dessas três cargas negativas: partidarismo, ilegalidade e ‘suplenza’. Evidentemente, não se pode admitir nenhuma dessas nódoas no sistema Judiciário. Partidarizar a jurisdição, submetendo-a à vontade de um grupo político ou ao próprio ‘partido dos juízes’, representaria um solapamento do pré-requisito essencial da jurisdição democrática: a imparcialidade. De outra parte, uma magistratura que obedece à praça, à opinião pública ou à sua própria vontade – e não a lei – seria a negação do Constitucionalismo. Por fim, substituir o político pelo juiz seria corromper a forma de operação e reprodução do sistema jurídico e político das sociedades complexas, reduzindo drasticamente o espaço da democracia”. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: 2002, p. 60.
[13] Em relação ao fenômeno da politização do Poder Judiciário e também dos Tribunais Constitucionais, observa-se que esse não é um fenômeno local ou típico de países de modernidade periférica, mas um fato institucional global que atinge, outrossim, os países centrais. Nesse sentido, Ingeborg Maus analisando o caso alemão vê na atuação do Tribunal Federal Constitucional uma postura quase que religiosa na sua atuação política, muitas vezes desmedida, conforme se depreende de sua investigação, in verbis: “A apropriação da persecução de interesses sociais, de processos de formação da vontade política e dos discursos morais por parte da alta corte é alcançada mediante uma profunda transformação do conceito de Constituição: esta deixa de ser compreendida – tal qual nos tempos da fundamentação racional-jusnaturalista da democracia – como documento da institucionalização de garantias fundamentais da esfera de liberdade nos processos políticos e sociais, tornando-se um texto fundamental a partir do qual, a exemplo da Bíblia e do Corão, os sábios deduziram diretamente todos os valores e comportamentos corretos. O TFC, em muitos de seus votos de maioria, pratica uma ‘teologia constitucional’. Enquanto uma prática judiciária quase que religiosa corresponde uma veneração popular da Justiça, o superego constitucional assume traços imperceptíveis, coincidindo com formações ‘naturais’ da consciência e tornando-se portador da tradição no sentido atribuído por Freud. Por conta de seus métodos específicos de interpretação constitucional, atua o TFC menos como ‘Guardião da Constituição’ do que como garantidor da própria história jurisprudencial, à qual se refere legitimamente de modo auto-referencial. Tal história fornece-lhe fundamentações que não necessitam ser justificadas, sendo somente descritas retrospectivamente dentro de cada sistema de referencias. O tradicionalismo do Tribunal aparece de maneira clara ainda quando se refere à história social real”. MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na “sociedade órfã”. 2000, p. 192.
[14] Um dos grandes problemas dessas decisões consiste na execução complexa que exigem. A esse respeito Roberto Mangabeira Unger salienta que dificilmente o Poder Judiciário conseguirá solucionar os problemas políticos, por meio das decisões judiciais, tendo em vista que essas decisões compreenderiam uma execução complexa, o que nem sempre é possível de ser realizada, principalmente, por falta de mecanismos hábeis e da ausência, em muitos casos, de órgãos da sociedade civil para observar o fiel cumprimento dessa sentença. Cf. UNGER, Roberto Mangabeira. O direito e o futuro da democracia. 2004, pp.146-147.
[15] Segundo Herbert L.A. Hart, o poder discricionário consiste na possibilidade do juiz criar regras para aplicá-la na resolução dos casos difíceis, pois, o direito se apresenta como fenômeno social indeterminado ou incompleto parcialmente, do que se infere que: “Se, em tais casos, o juiz tiver de proferir uma decisão, em vez de, como Bentham chegou a advogar em tempos, se declarar privado de jurisdição, ou remeter os pontos não regulados pelo direito existente para decisão de um órgão legislativo, então deve exercer seu poder discricionário e criar direito para o caso, em vez de aplicar meramente o direito estabelecido preexistente. Assim, em tais casos juridicamente não previstos ou não regulados, o juiz cria o direito novo e aplica o direito estabelecido que não só confere, mas também restringe, os seus poderes de criação do direito”. HART, Herbert L.A. O conceito de direito. 2007, p. 335.
[16] A respeito da teoria realista norte-americana, Brian Bix fazendo uma análise mais descritiva aponta as seguintes características do realismo norte-americano: “In overview: first, the main focus of this ‘realism’ was on judicial decision-making – that a proper  understanding of judicial decision-making would show that it was fact-centred; that judge decisions were often based (consciously or unconsciously) on personal or political biases and constructed from hunches; and that public policy and social sciences should play a larger role. Secondly, feeding into this central focus on adjudication was a critique of legal reasoning: that beneath a veneer of scientific and deductive reasoning legal rules and concepts were presented as being. It was the indeterminacy of legal concepts and legal reasoning that led to the need to explain judicial decisions in other terms (hunches and biases) and the opportunity to encourage a different focus for advocacy and judicial reasoning: social science and ‘public policy’. (These two themes are clearly interconnected, so there is a certain arbitrariness in where one starts in the discussion, and even in where one places various sub-issues – for example, the emphasis on the social science could be as easily discussed under either of the two themes).BIX, Brian. Jurisprudence Theory and Context. 2004, p. 178.
[17] Ronald Dworkin adotando uma postura normativa (Liberal) e não descritiva nega a existência da discricionariedade judicial, com uma visão ingênua acerca da decisão judicial diante dos casos difíceis, entendendo que mesmo nos casos difíceis, os juízes devem achar o direito das partes com base nos princípios, ou seja, com base nas teorias mais bem fundadas na moralidade política e na história institucional da comunidade. Ademais, afirma que quando o juiz decide um caso, por não possuir um poder criativo apenas se serve de uma concepção de direito para construir sua decisão como romance em cadeia, o que implica numa garantia, segundo o filósofo norte-americano, do direito como integridade e impossibilita a discricionariedade judicial que constitui uma ofensa ao primado do Estado de Direito Liberal. Cf. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a serio. 2002, p. 196-203; Cf. DWORKIN, Ronald. O império do direito. 2003, pp. 275-279.
[18] A respeito do conceito de discricionariedade judicial, Aharon Barak em um trabalho monográfico define o seu sentido e sua extensão, para teoria jurídica, o fazendo de modo a entender a discricionariedade judicial como uma margem de liberdade limitada (e não absoluta) de escolha pelo juiz entre opções legítimas na interpretação, na aplicação ou na criação de uma regra, assim, rejeitando a perspectiva de Ronald Dworkin que o direito possui uma única resposta, conforme se verifica, in totum: “La discrezionalità presuppone la libertà di scegliere tra parecchie alternative legittime. Dunque, essa non esiste quando al giudice si presenta un’unica opzione: in questa situazione, egli deve accoglierla e non  ha quindi alcun margine di manovra. Non entrano in gioco, infatti, elementi discrezionali nella scelta tra un atto legittimo ed uno illegittimo, in quanto il giudice deve necessariamente propendere per il primo e gli è proibito optare per il secondo. La discrezionalità, d’altro canto, ipotizza che non vi sia l’obbligo di privilegiare una particolare opzione rispetto alle altre; postula l’esistenza di parecchie alternative, tra le quali il giudice ha il diritto di scegliere quella che maggiormente gli aggrada. […] Il giudice gode della libertà di scelta soltanto quando ciascuna delle opzioni che gli offrono sia ammissibile nell’otica  dell’ordinamento; in base a quest’impostazione, quindi, la discrezionalità esiste soltanto quando ciascuna delle alternative legittima. Il quesito giuridico cui si applica la discrezionalità non presenta un’unica soluzione legittima, ma parecchie e, come scrisse il Professor S.A. de Smith << affermare che qualcuno dispone di un margine di discrezionalità, presuppone che non esista un’unica risposta esatta ai problema>>”. BARAK, Aharon. La discrezionalità del giudice. 1995, pp. 17-18.
[19] Nesse sentido, Ingeborg Maus aduz que: “Com a apropriação dos espaços jurídicos livres por uma Justiça que faz das normas ‘livres’ e das convenções morais o fundamento de sua atividade reconhece-se a presença da coerção estatal, que na sociedade marcada pela delegação do superego se localiza na administração judicial da moral. A usurpação política da consciência torna pouco provável que as normas morais correntes mantenham seu caráter originário. Elas não conduzem a socialização da Justiça, mas sim uma funcionalização das relações sociais, contra a qual as estruturas jurídicas formais outrora compunham uma barreira. O fato de que pontos de vistas morais não sejam delegados pela base social parece consistir tanto na única proteção contra sua perversão como também em obstáculo para unideminsionalidade funcionalista”. MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na “sociedade órfã”. 2000, p. 202.
[20] No plano da dogmática jurídica, Elival da Silva Ramos propõe um conceito de ativismo judicial como disfunção no exercício da função jurisdicional ou como desrespeito aos limites normativos substanciais da função jurisdicional. Cf. RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial. 2010, p. 104 .
[21] Cf. LOPES, José Reinaldo. Direitos Sociais: teoria e prática. 2006, p.181.
[22] Cf. VIERA, Oscar Vilhena. Supremocracia. 2008, p. 448.
[23] Cf. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 1996, p. 246-247.
[24] Tal fato se observa principalmente, quando direitos sociais que têm seu aspecto material voltado não para os indivíduos, mas para o homem enquanto pertencentes a um grupo social são analisados pelo Poder Judiciário, conforme constata Luís Virgilio Afonso da Silva: “A conclusão a que se pode chegar após essa breve exposição desse estudo de caso, que, ainda que pontual, reflete bem o enfoque que os juristas dão em geral à justiciabilidade dos direitos sociais, é que, em primeiro lugar, os juízes, ao tratarem os problemas dos direitos sociais como se fossem problemas iguais ou semelhantes àqueles relacionados a direitos individuais, ignoram o caráter coletivo dos primeiros. Esse caráter coletivo exige, como não poderia deixar de ser, políticas que são pensadas coletivamente, algo que os juízes não fazem. Com isso, pretendo sublinhar que a questão discutida neste trabalho não é uma mera questão de opção entre ativismo ou contenção judicial, embora ela seja freqüentemente apresentada como se assim o fosse. É certo que os partidários da idéia de contenção judicial têm que defender que os juízes devem se manter afastados de decisões relativas a políticas públicas, mas isso não significa que toda corrente ativista tenha necessariamente que defender o seu oposto, ou seja, que os juízes devam sempre decidir sobre políticas públicas. Nesse sentido, é possível defender uma forma de ativismo judicial - ou seja, defender que os juízes são legítimos para discutir políticas públicas - e, mesmo assim, sustentar que esse ativismo é limitado por uma série de razões estruturais. Isso significa que, embora o ativismo judicial seja uma possibilidade, ele depende de diversas mudanças estruturais na educação jurídica, na organização dos tribunais e, sobretudo, nos procedimentos judiciais, para que passe a ser possível tratar os direitos sociais e sobre eles decidir de forma coletiva”. SILVA, Virgílio Afonso da. O Judiciário e as políticas públicas: entre transformação social e obstáculo à realização dos direitos sociais. 2008, pp. 595-596.
[25] A título de exemplo, importante citar algumas decisões tanto dos Tribunais Superiores, como dos Tribunais inferiores que julgaram casos sobre políticas públicas e que ou adotaram uma posição ativista ou foram em sentido contrário ao entendimento majoritário da Corte, mostrando serem decisões discricionárias: TJ/SP: Apelação Cível n° 195.953-5/6-00; TJ/SP: Apelação Cível n° 152.329.5/4-00; TJ/SP: Apelação Cível n° 231.136-5/9-00; TRF/4ª Região: Apelação Cível n° 2002.04.01.000610-0/PR; TJ/SP: Apelação Cível n° 229.384-5/0-00; TJ/SP: Embargos Infringentes n° 181.741.5/3-01; TJ/SP: Apelação Cível n° 275.964-5/9-00;  TJ/SP: Agravo de Instrumento n° 412.973-5/7-00; TJ/SP: Apelação Cível n° 244.253-5/2-00; STJ: Recurso Especial n° 212.346/RJ; STJ: Mandado de Segurança n° 8.740/DF; STJ: Recurso Especial n° 577.836/SC; STF: Recurso Extraordinário n° 271.286/RS; TJ/SP: Apelação Cível n° 242.155-5/0-00; STJ: Recurso Especial n° 1.041.197/MS;; STJ: Recurso Especial n° 503.028/SP ;STF: Quest. Ord. em Petição n° 2.836-8/RJ; STF: Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n° 271.286-6/RS; TJ/SP: Apelação Cível n° 244.478-5/9-00; TJ/SP: Apelação Cível n° 197.471.5/0-00; TJ/SP: Apelação Cível n° 354.816.5/0; TJ/SP: Agravo de Instrumento n° 313.048-5/4-00; STF: Suspensão de Tutela Antecipada n° 91/AL; TJ/SP: Apelação Cível n° 150.723-5/8-00; TJ/SP: Apelação Cível n° 205.563-5/1-00; TJ/RN: Agravo de Instrumento n° 2002.001293-4; STJ: Recurso Especial n° 658.323/SC; STJ: Recurso Especial n° 814.076/RJ; STJ: Recurso Especial n° 757.012/RJ; STJ: Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n° 17.425/MG; STJ: Recurso Especial n° 648.646/RS.
[26] Cf. COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação histórica dos direitos humanos. 4 Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 53. Cf. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 2 reimpressão. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, pp.83-84.
[27] Os juízes, na maioria dos casos, não estão aptos a trabalhar com a lógica do cálculo de risco, ou seja, o cálculo de custo e benefício. Segundo, Mancur Olson, o cálculo deve ter três partes as quais comportam uma análise acurada daquele que detém o poder de decidir por uma coletividade: Fator 1: Que benefício decorrerá da provisão do bem coletivo?  Fator 2: Qual é o custo do fornecimento do bem coletivo?  Fator 3: Que quantidade do bem coletivo já foi provida? Cf. OLSON, Marcur. A lógica da Ação Coletiva: Os Benefícios Públicos e uma Teoria dos Grupos Sociais. São Paulo: EDUSP, 2001, p. 34. Aqui surge a seguinte contingência e angústia: os juízes têm tomado uma decisão racional quando decidem os casos cujo objeto é uma demanda por direito sociais? Fica a dúvida.
[28] Cf. GUARNEIRI, Carlo. Magistratura in Italia. Pesi senza contrapesi. Bologna: Il Mulino, 1993, pp. 35-40.
[29] Cf. WEILER, P. Two Models of Judicial Decision-Making. 1968, pp. 406-471.
[30] Cf. GUARNEIRI, Carlo. Magistratura in Italia. Pesi senza contrapesi. Bologna: Il Mulino, 1993, p. 36.
[31] Celso Fernandes Campilongo, fazendo uma leitura do texto de Guarnieri, observa as conseqüências do tipo ideal de juiz político asseverando que: “A combinação de elevada autonomia com alta criatividade pode representar duas coisas distintas. De uma parte, e esse é o aspecto mais perverso do modelo do juiz-político, o excesso de poderes sem controle ressuscita o problema do arbítrio, da imprevisibilidade do direito e da demarcação pouco clara entre direito e não-direito. De outra parte, contudo, este modelo introduz o magistrado-político num contexto onde diversos outros atores desempenham papéis equivalentes (políticos). Nem o legislador, nem o juiz detém o monopólio ou privilégio na definição do direito. O problema do arbítrio vem, assim, contornado pela multiplicação  dos níveis de poder e pelas imbricações das funções de governo. Se a magistratura ‘socorre’, ‘complementa’ ou ‘substitui’ a legislatura, não é menos certo que, no interior do Executivo e do Legislativo, vários órgãos passam a desempenhar funções judicantes: câmaras setoriais, comitês de ética e comissões parlamentares de inquérito são alguns exemplos. Além disso,  elevada criatividade e independência estão longe de representar total liberdade. Haverá sempre textos a interpretar, procedimentos a observar e hierarquias a respeitar”. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002, pp. 55-56.
[32] Cf. GUARNEIRI, Carlo. Magistratura in Italia. Pesi senza contrapesi. Bologna: Il Mulino, 1993, p. 36.
[33] Cf. CANOTILHO, J. J. Estudos sobre direitos fundamentais. 2008, p. 268.
[34]  Verificando os efeitos intensificadores da criatividade judicial Mauro Capelletti acentua alguns dos principais pontos que engendram uma atuação discricionária dos juízes, nos seguintes termos: “Desnecessário acentuar que todas essas revoltas conduziram à descoberta de que, efetivamente, o papel do juiz é muito mais difícil e complexo, e de que o juiz, moral e politicamente, é bem mais responsável por suas decisões do que haviam sugerido as doutrinas tradicionais. Escolha significa discricionariedade, embora não necessariamente arbitrariedade; significa valoração e ‘balanceamento’; significa ter presentes os resultados práticos e as implicações morais da própria escolha; significa que devem ser empregados não apenas os argumentos da lógica abstrata, ou talvez os decorrentes da análise lingüística puramente formal, mas também e sobretudo aqueles da história e da economia, da política e da ética, da sociologia e da psicologia. E assim o juiz não pode mais se ocultar, tão facilmente, por detrás da frágil defesa da concepção do direito como norma preestabelecida, clara e objetiva, na qual pode basear suas decisões de forma ‘neutra’. É envolvida sua responsabilidade pessoal, moral e política, tanto quanto jurídica, sempre que haja no direito abertura para escolha diversa. E a experiência ensina que tal abertura sempre  ou quase sempre está presente”. CAPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? 1999, p. 33
[35] Nesse sentido, aparecem algumas implicações da assunção desse modelo de juiz, que segundo Patrizia Pederzoli e Carlo Guarnieri, podem ser observados da seguinte forma: “El hecho de que el juez sea también un legislador se considera ya hoy como una ‘obvia banalidad’ (Cappelletti, 1998: p.14). Los ámbitos de discrecionalidad de que dispone y las mismas características del procedimiento de decisión le llevan de hecho a participar en la formulación de las políticas públicas. Igualmente se ha visto que hoy es más difícil distinguir entre jurisdicción y administración, sobre todo en lo que se refiere al impacto producido por las sentencias. Desde este punto de vista, la versión tradicional de la doctrina de la separación de poderes ya sufre una erosión visible. […] Y desde esta perspectiva si se quiere evaluar el papel que de hecho ha asumido la justicia, el reparto formal de las competencias es hoy un punto de referencia mucho menos útil que antaño: el sistema judicial tiende a actuar, en efecto, como una estructura multifuncional, que presenta numerosas áreas de superposición con las actividades demandadas a las otras instituciones políticas”. PEDERZOLI, Patrizia; GUARNIERI, Carlo. Los jueces y la política, 1999, p.21.
[36] Nesse sentido, Carlos Ari Sundfeld define o Estado Social: “O Estado torna-se um Estado Social, positivamente atuante para ensejar o desenvolvimento (não o mero crescimento, mas a elevação do nível cultural e a mudança social) e a realização da justiça social (é dizer, a extinção das injustiças na divisão do produto econômico). Em um primeiro plano, aparecem os chamados direitos sociais, ligados, sobretudo à condição dos trabalhadores: garante-se o direito ao salário mínimo, restringe-se – em nome da proteção do economicamente fraco – a liberdade contratual de empregadores e empregados. De outro lado, o indivíduo exige o direito de exigir certas prestações positivas do Estado: o direito à educação, à previdência social, à saúde, ao seguro desemprego e outros mais. Para incrementar o desenvolvimento econômico, sobretudo nos países subdesenvolvidos, o Estado passa a atuar como agente econômico, substituindo os particulares e tomando assim a tarefa de desenvolver atividades reputadas importantes ao crescimento: surgem as empresas estatais”. SUNDFELD,  Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público.  4ª ed., 2008, p. 55.
[37] Na mesma direção, bem como demonstrando a falseabilidade (no sentido Popperiano) da proposta, por uma análise histórica, a partir do advento do Estado de Bem-Estar Social e os direitos sociais decorrentes desse tipo de gestão pública, Mauro Capelletii aduz que: “É evidente que, nessas novas áreas do fenômeno jurídico, importantíssimas implicações impõem-se aos juízes. Em face da legislação social que se limita, freqüentemente, a definir a finalidade e os princípios gerais, e diante de direitos sociais essencialmente dirigidos a gradual transformação do presente e formação do futuro, os juízes de determinado país bem poderiam assumir – e muitas vezes, de fato, têm assumido – a posição de negar o caráter preceptivo, ou ‘self-executing’, de tais leis ou direitos programáticos. Sobre isso, aprendemos alguma coisa na Itália, especialmente, entre 1948 e 1956, ou seja, entre a entrada em vigor da Constituição e a criação da Corte Constitucional. Mais cedo ou mais tarde, no entanto, como confirmou a experiência italiana e de outros países, os juízes deverão aceitar a realidade da transformada concepção de direito e da nova função do estado, do qual constituem também, afinal de contas, um ‘ramo’. E então será difícil para eles não dar a própria contribuição à tentativa do estado tornar efetivo tais programas, de não contribuir, assim, para fornecer concreto conteúdo ‘àquelas finalidades e princípios’: o que eles podem fazer controlando e exigindo o cumprimento do dever do estado de intervir ativamente na esfera social, um dever que, por ser prescrito legislativamente, cabe exatamente aos juízes fazer respeitar.  É manifesto o caráter acentuadamente criativo da atividade judiciária de interpretação e da atuação da legislação e dos direitos sociais.” CAPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? 1999, pp. 41-42.
[38] Cf. BARAK, Aharon. La discrezionalità del giudice. 1995, pp. 17-18.
[39] Cf. KAUFMANN,  Arthur; HASSEMER, Winfried (Org.), Introdução à Filosofia e à Teoria do Direito Contemporâneas. 2002, p. 281.
[40] Inciso LXXI, art. 5º da Constituição Federal de 1988.
[41] §2º, do art. 103 da Constituição Federal de 1988 e Lei n. 12.063/2009 que acrescentou o Capítulo II-A na Lei Federal n. 9.868/99 que trata do Controle de Constitucionalidade pela via Concentrada.
[42] De acordo com Roger Stiefelmann Leal, as sentenças aditivas se constituem da seguinte forma: “A incompletude ou defecção de determinado diploma legal suscita, segundo diversas experiências constitucionais, decisões com caráter de suplementação normativa. Em tais casos, o órgão de jurisdição constitucional declara a inconstitucionalidade da lei ‘na parte que não’ estabelece determinada medida – que constitucionalmente deveria estabelecer – e supre a omissão legislativa parcial, enunciando o critério normativo exigido. São as denominadas sentenças aditivas”. LEAL, Roger Stiefelmann. O efeito vinculante na jurisdição constitucional. 2006, p. 87.
[43] Segundo Carlos Blanco de Morais, as sentenças manipulativas são aqueles tipos de provimentos jurisdicionais (da Jurisdição Constitucional) que temporalmente restringem, parcialmente ou  totalmente, os efeitos sancionatórios com caráter retrospectivo, de modo preservar situações jurídicas constituídas no decurso da vigência da norma inconstitucional. Com efeito, tais decisões pretendem evitar que os efeitos dessa declaração propiciem lesões aos imperativos da segurança jurídica, equidade e a curadoria de altos interesses públicos que são inerentes ao Estado Democrático de Direito. Cf. MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo II: o contencioso constitucional português entre o modelo misto e a tentação do sistema de reenvio. 2005, p. 281.
[44] Um outro tipo de decisão que se enquadra dentro dessa perspectiva são as chamadas sentenças substitutivas, as quais constituem-se numa categoria do controle jurisdicional de constitucionalidade, na qual o tribunal julga a inconstitucionalidade de uma lei por instituir determinada medida, enquanto que constitucionalmente, deveria estabelecer outra. Nesse passo, a lei é declarada inconstitucional por dois motivos: 1) por aquilo que dispõe; e 2) por aquilo que deveria dispor no lugar da norma inconstitucional. Assim, a decisão é cassatória do preceito inconstitucional, de um lado, e aditiva, de outro, ou seja, ela constitui o comando normativo contrário à Constituição por outro que se observe a exigência constitucional. Cf. LEAL, Roger Stiefelmann. O efeito vinculante na jurisdição constitucional. 2006, p. 90.
[45] Entre aqueles que defendem esse tipo de ativismo judicial pode-se citar os seguintes trabalhos, apenas para exemplificar alguns caos de adesão doutrinária a essa postura que põe em xeque o constitucionalismo construído com base na prevalência do Parlamento: Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. 2009, p. 56-57; Cf. BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial E Legitimidade Democrática. 2009, p. 89; Cf. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2002, p. 272. Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2007, p. 297.
[46] Cf. STERN, Klaus. Jurisdiccíon Constitucional y Legislador. 2009, pp. 67-71.
[47] Em relação ao subjetivismo interpretativo Gustavo Zagrebelsky aduz que: “Así pues, la razón de la temida ‘explosión’ subjetivista de la interpretación se encuentra, una vez más, en el carácter pluralista de la sociedad actual y de esa sociedad parcial que es las comunidad  de los juristas y operadores jurídicos. Estos asumen ‘puntos de vistas’ distintos que no pueden dejar de reflejarse en su actuación, y esta diversidad se acentúa por la novedad de los problemas continua y urgentemente planteados por la evolución de la ciencia, la técnica y la economía. La causa de la falta de certeza en los procesos de aplicación del derecho no radica en una mala disposición mental de los juristas, sino en el agotamiento de un cuadro de principios de sentido y de valor compartido por la generalidad. Al faltar un único y seguro horizonte de expectativas en orden a los resultados de las operaciones de interpretación, los caminos de la jurisprudencia terminarán bifurcándose y,  en muchos casos, se perderá también la posibilidad de distinguir el ‘principal’ de los ‘desviados’”. ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Dúctil: Ley, derechos, justicia. 2009, pp. 145-146.
[48] A respeito do conceito de risco, Raffaele De Giorgi numa perspectiva sistêmica luhmanniana trata do problema do risco como uma relação de simbiose entre futuro e sociedade, pautado na concepção de que a racionalidade dos sistemas não poderá controlar o futuro, mas ao contrário, poderá gerar mais incertezas, conforme se depreende de suas palavras: “O risco condensa uma simbiose particular entre futuro e sociedade: ele permite construir estruturas nos processos de transformação dos sistemas, especificar as emergências de ordens nas estruturas dos sistemas. O risco, é na realidade uma construção da comunicação que descreve a possibilidade de arrepender-se, no futuro, de uma escolha que produziu o dano que se queria evitar. Dessa forma,o risco está ligado ao sentido da comunicação e é relevante por este aspecto, não pelos vestígios que podem existir na consciência. O risco estabelece a necessidade de um cálculo de tempo segundo condições a respeito das quais nem a racionalidade nem o cálculo de utilidade nem a estatística podem fornecer indicações úteis. Nestas condições de não-saber, aquilo que, realmente, se pode saber é que cada redução ou minimização do risco aumento o próprio risco”. DE GIORGI, Raffaele. Direito, Tempo e Memória. 2006, p. 232.
[49] A respeito das três dimensões da política faz-se mister colacionar a sua digressão feita por Klaus Frey: “De acordo com os mencionados questionamentos da ciência política, a literatura sobre policy analysis' diferencia três dimensões da política. Para a ilustração dessas dimensões tem-se adotado na ciência política o emprego dos conceitos em inglês de polity' para denominar as instituições políticas, politics' para os processos políticos e, por fim, policy para os conteúdos da política: a dimensão institucional polity' se refere à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo; no quadro da dimensão processual politics' tem-se em vista o processo político, freqüentemente de caráter conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição; a dimensão material policy' refere-se aos conteúdos concretos, isto é, à configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas. Essa diferenciação teórica de aspectos peculiares da política fornece categorias que podem se evidenciar proveitosas na estruturação de projetos de pesquisa. Todavia, não se deve deixar de reparar que na realidade política essas dimensões são entrelaçadas e se influenciam mutuamente”. FREY, Klaus. Políticas públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticas públicas no Brasil. 2000, pp. 216-217.
[50] A respeito de tal concepção acerca da prestação dos serviços públicos e do planejamento das políticas públicas para implementação dessas atividades frente ao orçamento público, Cass Sunstein e Stephen Holmes. asseveram que os direitos somente podem ser prestados onde haja orçamento suficiente, pois, “levar os direitos a sério significa tomar a sério a escassez dos recursos públicos”. SUNSTEIN, Cass; HOLMES, Stephen. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. 1999, pp.14-15.
[51] No cenário brasileiro, a questão da captura do Congresso, dos partidos políticos e dos próprios membros dos poderes políticos, em âmbito nacional foi tratado por Wagner Pralon Mancuso, o qual aduz que captação não seria a única maneira influência dos grupos de interesse: “Não cabe nenhum reparo à constatação dos autores sobre a presença generalizada do comportamento de rent-seeking. De fato, não escapa a qualquer observador da cena política brasileira que várias empresas e associações empresariais do segmento industrial têm sabido explorar as oportunidades oferecidas pelo sistema político para extrair vantagens particulares e que os privilégios assim alcançados trazem conseqüências negativas para as finanças públicas e para o resto da sociedade. No entanto, os expoentes da tese parecem ainda não ter notado que o comportamento de rent-seeking, embora amplamente disseminado, não é a única forma de atuação política da indústria”. MANCUSO, Wagner Pralon. O lobby da indústria no Congresso Nacional. 2007, p. 110.
[52] Cf. TEUBNER, Günther. Juridification of social spheres: a comparative analysis in the Areas of Labor, Corporate, Antitrust and Social Welfare Law. 1987, p.3.
[53] TEUBNER, Günther. Juridification of social spheres: a comparative analysis in the Areas of Labor, Corporate, Antitrust and Social Welfare Law. 1987, pp. 3-4.
[54] Nesse sentido, Celso Fernandes Campilongo assevera tal relação de complementaridade entre ativismo judicial (produção de direito judicial) e hipertrofia legislativa, nos seguintes moldes: “Certamente, a hipertrofia do direito legislado apenas reforça e alimenta as possibilidades do direito judicial. Também não se trata de negar a expansão global do Poder Judiciário e suas conotações políticas. O importante é salientar, mais uma vez, que, na sociedade moderna, democracia é sinônimo de elevada complexidade e pressupõe a diferenciação funcional entre sistema jurídico e sistema político. Por isso, o processo de ampliação dos poderes do juiz, de um lado, e a tentativa de implantação de súmulas vinculantes, de outro, ao transferirem para o sistema jurídico critérios operativos da política (em termos de liberdade, rapidez e amplitude dos vínculos decisórios), expõe os dois sistemas a uma ‘desdiferenciação’ incompatível com a democracia e a complexidade moderna. São típico de uma modernidade periférica, pois violam o caráter autopoiético dos dois sistemas e reforçam os impedimentos recíprocos”. CAMPILONGO, Celso Fernandes.O direito na sociedade  complexa. 2000, p. 87.
[55] Cf. TEUBNER, Günther. El Derecho como sistema autopoiético de la sociedad global. 2005, p. 90.
[56] No que tange à questão da Constitucionalização das esferas da vida social, Oscar Vilhena Viera salienta que tal pretensão é uma desconfiança da população em face da própria representação política, entretanto, a implicação consiste no amesquinhamento do sistema representativo, conforme se infere, in verbis: “Este processo de expansão da autoridade judicial, contudo, torna-se mais agudo com a adoção de constituições cada vez mais ambiciosas. Diferentemente das constituições liberais, que estabeleciam poucos direitos e privilegiavam o desenho de instituições políticas voltadas a permitir que cada geração pudesse fazer as suas próprias escolhas substantivas, por intermédio da lei e de políticas públicas, muitas constituições contemporâneas são desconfiadas do legislador, optando por sobre tudo decidir e deixando ao legislativo e ao executivo apenas a função de implementação da vontade constituinte, enquanto ao judiciário fica entregue a função última de guardião da constituição. A hiper-constitucionalização da vida contemporânea, no entanto, é conseqüência da desconfiança na democracia e não a sua causa. Porém, uma vez realizada a opção institucional de ampliação do escopo das constituições e de reforço do papel do judiciário, como guardião dos compromissos constitucionais, isto evidentemente contribuirá para o amesquinhamento do sistema representativo”. VIERA, Oscar Vilhena. Supremocracia. 2008, p. 443.
[57] Ao tratar das decisões judiciais e do problema do aumento da litigiosidade, José Eduardo Faria estabelece algumas razões que impossibilitam a simples subsunção nos casos levados ao Judiciário após a Constituição Federal de 1988, nos seguintes termos: “Como tendem a desafiar a rigidez lógico-formal do sistema jurídico em vigor, contrapondo uma racionalidade material à racionalidade formal tão cultivada pelas concepções legalistas e normativistas de inspiração liberal, essas situações inéditas têm posto o judiciário diante da necessidade de rever algumas de suas funções básicas. Estas, no âmbito de um aparelho burocrático com regras próprias de organização e de atuação específica desenvolvida e aplicada por um corpo de profissionais, já não conseguem mais decidir mediante a simples aplicação de normas abstratas gerais e unívocas a casos concretos, restituindo os direitos violados e reprimindo seus respectivos violadores. Desde que grupos sociais alijados do acesso à Justiça descobriram os caminhos dos tribunais, orientando-se por expectativas dificilmente amoldáveis às rotinas judiciais, utilizando de modo inventivo os recursos processuais e explorando todas as possibilidades hermenêuticas propiciadas por normas de ‘textura aberta’, como normas-objetivo, as normas programáticas e as normas que se caracterizam por conceitos indeterminados, o Judiciário se viu obrigado a dar respostas para demandas para as quais não tem nem experiência acumulada nem jurisprudência firmada”. FARIA, José Eduardo (Org). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. 2005, p. 52-53.
[58] Cf. VIERA, Oscar Vilhena. Supremocracia. 2008, p. 450.
[59] Esses direitos novos passam a exigir conhecimentos técnicos que os juízes não possuem, bem como os magistrados, nem sempre, conseguem compreender as transformações da velocidade da alteração do direito, enquanto uma forma de rede social, própria da sociedade globalizada, consoante salienta José Eduardo Faria: “Assumindo assim a forma de rede, esses inúmeros microssistemas legais e essas distintas cadeias normativas se caracterizam pela extrema multiplicidade, variedade e heterogeneidade de suas regras e de seus mecanismos processuais; pela evidente provisoriedade e mutabilidade de suas engrenagens normativas, uma vez que as regras já não são mais relativamente estáveis, modificando-se no curso da partida; pela tentativa de acolhimento de uma pluralidade de pretensões contraditórias e, na maioria das vezes, excludentes; pela geração de conflitos e discussões extremamente complexas, em matéria de hermenêutica, exigindo dos operadores e dos intérpretes conhecimentos especializados não apenas no âmbito do direito positivo, mas, igualmente, nos planos da macroeconomia, da engenharia financeira, da contabilidade, das técnicas de auditoria e compliance, das ciências atuariais, da tecnologia das comunicações, da informática, da análise de risco sistêmicos etc.”. FARIA, José Eduardo. Sociologia Jurídica: direito e conjuntura. 2008, p. 67.
[60] Nesse particular, Roberto Mangabeira Unger afirma que: “Há circunstâncias que os juízes podem e devem exercitar um fragmento dessa autoridade a fim de que os órgãos políticos e a cidadania também possam fazê-lo; eu as analisarei em breve sob a forma da exceção do governo judicial. Na maior parte, contudo, tal tarefa está além do que os juízes podem realizar eficaz ou legitimamente. Se eles insistem em realizá-lo, correm o risco de ser levados pela necessidade de conciliar ambição e modéstia a um reformismo grosseiro e circunstancial, que produz tanto mal quanto bem. [...] Mesmo que o juiz escolha sensatamente a linha do avanço democrático, descobre mais que freqüentemente que a sua deficiência de poder e legitimidade o impede de lidar com as estruturas institucionalizadas de onde a maior parte da desigualdade e exclusão se origina; que a fuga de causas últimas é logo tratada com a sua santificação; que seus benefícios acabam desviados para os segmentos não merecedores de grupos merecedores; que sua arrogância e casuísmo ajudam a manter aqueles em situação de desvantagem desorganizados e divididos; e que os efeitos práticos sejam tão ínfimos quanto a intervenção corretiva é ruidosa. Além disso, usar qualquer litígio concreto para levar a história para frente pode, com freqüência, corromper o ideal de preocupação com as pessoas, bem como o ideal de autogoverno popular, ao subordinar os problemas dos litigantes às aspirações de uma providência togada”. UNGER, Roberto Mangabeira. O direito e o futuro da democracia. 2004, pp.145-146.
[61] A respeito da hipertrofia legislativa, Celso Fernandes Campilongo tece importantes considerações, demonstrando sua condição de vício: “Essas referências aclaram por que a produção legislativa parlamentar é um contínuo problema para a o sistema jurídico. A hipertrofia legislativa ilustra bem um processo de mudança quantitativa na produção da lei. Caracteriza-se pela pletora de leis, decretos e regulamentos e pela expansão da atividade legiferante tanto do legislativo quanto da administração. Tudo isso num contexto de tridimensionalidade de circuito político, onde principalmente o público atua como elemento de ‘feedback’ e constante aumento da complexidade do sistema. De outra parte, a regulação legislativa avança sobre os mais variados aspectos da vida social, passando a ‘juridificar’ esferas de convivência que antes não entravam no rol dos temas de relevância jurídica. E tudo isso num ritmo de variação e de instabilidade que provoca modificações também qualitativas na legislação.  Fácil imaginar que essa multiplicação de quantidade e qualidade das normas passe a introduzir no sistema jurídico, para além de uma inevitável incoerência, inconsistência e sobreposição normativa, uma série de questões que não se prestam facilmente à decisão judicial. Começam a se repetir casos insolúveis no interior de um sistema que ‘não pode não decidir’ (a dupla negação do ‘non liquet’). Algumas dessas questões são de difícil resolução pelo próprio sistema político. Entretanto, a política pode se socorrer de estratégias de adiamento ou de delegação do poder decisório que o sistema jurídico não possui. O sistema político sobrecarrega o sistema jurídico e, com isso, aumentam a liberdade e a discricionariedade do juiz diante da lei. A diferenciação do direito, nesse sentido, incorpora uma variabilidade estrutural que expande situações ‘juridicizáveis’  e os poderes do juiz. Numa palavra: ‘politiza’ a magistratura”. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 92.
[62] A respeito da importância da separação de poderes para a eficiência do próprio Estado, Jon Elster afirma que: “A separação dos poderes pode, naturalmente, servir também a outros propósitos. Ao assegurar a especialização funcional, a separação dos poderes pode aumentar a eficiência. A necessidade de um braço executivo do governo se origina, entre outras coisas, do fato de que não seria eficiente confiar a um corpo legislativo o comando em caso de guerra. Além disso, a separação de poderes pode reduzir a corrupção e impedir que um braço do governo interfira indevidamente na tarefa dos outros”. ELSTER, Jon. Ulisses Liberto: estudos sobre racionalidade, pré-compromisso e restrições. 2009, p. 196.
[63] No que tange o conceito de omissão legislativa, importante observar que essa tem seu aspecto de importância na medida em que se trata de um omissão inconstitucional, a qual nas palavras de J. J. Canotilho, podem ser descritas da seguinte forma: “[...] a omissão legislativa inconstitucional significa que o legislador não faz algo que positivamente lhe era imposto pela constituição. Não se trata, pois, apenas de um simples negativo não-fazer; trata-se, sim, de não fazer aquilo a que, de forma concreta e explicita, estava constitucionalmente obrigado”. CANOTILHO, J. J. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para compreensão das normas constitucionais programáticas. 1994, p. 331.
[64] Nítida é tal pretensão no caso da hipótese de perda de mandato criada pelo TSE (Res. n. 22.526/2007), por conta da infidelidade partidária, não previsto no rol taxativos do art. 55 da CF, o que implica uma mutação inconstitucional, a qual foi vista como Constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em sede do controle incidental de constitucionalidade, nos autos dos Mandados de Seguranças MS ns. 26.602, 26.603 e 26.604.
[65] Um desses casos emblemáticos de ativismo judicial encontra-se inserto na decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello na APF n. 45.
[66] O caso da greve do serviço público se mostra evidente, na medida em que mesmo após uma decisão ativista ou de criação judicial para resolver o problema da regulação político-jurídica, até hoje o Poder Legislativo se queda inerte, quanto ao estabelecimento de um diploma normativo que verse sobre o assunto. Vide MIs ns. 670-9/ES; 708-0/DF; 712-8/PA; 721-7/DF.
[67] No sentido de criticar a posição ativista, Elival da Silva Ramos expõe a possibilidade de distorções das regras por meio do processo interpretativo, nos seguintes termos: “Se, por meio de exercício ativista, se distorce, de algum modo, o sentido do dispositivo constitucional aplicado ( por interpretação descolada do limites textuais, por atribuição de efeitos com ele incompatíveis ou que devessem ser sopeados por outros poder etc.), está o órgão judiciário deformando a obra do próprio Poder Constituinte Originário e perpetrando autêntica mutação inconstitucional, prática essa cuja gravidade fala por si só. Se o caso envolve o cerceamento da atividade de outro Poder, fundada na discricionariedade  decorrente das normas constitucional de princípios ou veiculadora  de conceito indeterminado de cunho valorativo, a par da interferência na função constituinte, haverá a interferência indevida na função correspondente à atividade cerceada (administrativa, legislativa, chefia de Estado etc). É se ressaltar, portanto, que o ativismo judicial em sede de controle de constitucionalidade pode agredir o direito vigente sob dois prismas diversos: pela deformação da normatividade  constitucional e pela deformação, simultaneamente ou não, do direito infraconstitucional objeto de fiscalização, nessa última alternativa mediante, por exemplo, a indevida declaração de constitucionalidade ou da inconstitucionalidade de um dispositivo legal ou de variante exegética a partir dele construída”. RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. 2010, pp. 141-142.
[68] Conforme Conrado Hübner Mendes, um dos problemas recentes da teoria jurídica e da dogmática é mitificar a atuação judicial como salvadores das políticas públicas que não atendem o interesse de certos indivíduos ou de certas coletividades, mas os interesses majoritários representativos ou, então, dos interesses organizados, porém, esse constitui um atentado ao ideal democrático: “A obsessão teórica com Tribunais, somada ao absoluto silêncio em relação ao legislador, fragiliza o papel que a Constituição pode desempenhar num sistema político. O legislador não está isento de respeitar os limites constitucionais, independentes de uma instituição externa que o vigie. E, em função do desacordo inerente à interpretação constitucional, não me parece aceitável afirmar que uma instituição judiciária possua habilidades cognitivas ímpares ou autoridade moral superior para determinar o conteúdo do texto normativo. A interpretação constitucional legislativa não é descartável. A teoria constitucional não pode eximir o legislador de firmar entendimentos consistentes sobre o significado da Constituição”. MENDES, Conrado Hübner. Controle de Constitucionalidade e democracia. 2008, p.193.
[69] No plano normativo-analítico, observa-se que o Judiciário, ao interpretar os direitos sociais de modo liberal, age de modo evitar o desenvolvimento de um processo democrático, na medida em que inviabiliza a atuação dos movimentos sociais como forma de protesto ao alojamento parasitários dos grupos de interesse e dos membros do legislativo cooptados por esses interesses organizados. Essa desmobilização se dá principalmente, num contexto ativista, que os juízes afirmam a legitimidade de sua atuação discricionária sob a muleta retórica da garantia de direitos, os movimentos sociais vão ao Judiciário para proporem demandas coletivas para resolução de seus conflitos, porém, o Terceiro Poder acaba por negar provimento aos seus pedidos, por conta de apenas operar numa lógica liberal e resolver individualmente os conflitos sociais. Além disso, por conta da desarticulação organizacional própria dos movimentos sociais, o Judiciário não lhe dá atenção durante as audiências públicas de forma devida, bem como dificilmente permite a sua participação como amicus curiae. Nessa lógica individualista, o Judiciário mostra sua posição antidemocrática, na medida em que entendendo apenas a dimensão liberal dos direitos e não dimensão social (igualdade material na decisão, ou seja, uma decisão que abarque a todos em iguais condições), termina por conceder direitos, mas retirar a voz, desmobilizar os movimentos sociais e a luta por uma democracia mais participativa. Essa postura que evita o dissenso e a atuação dos movimentos sociais termina por manter o status quo, ou seja, um contexto que possibilite um governo dos juízes, com magistrados cada vez mais políticos que construam uma espécie de oligarquia togada.
[70] Cf. DALH, Robert A. Poliarquia: Participação e oposição. 2005, p. 36.
[71] No particular sobre o efeito vinculante do Controle Concentrado de Constitucionalidade, Gilmar Ferreira Mendes trata desse fenômeno da seguinte forma, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro: “Proferida a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei objeto de ação declaratória, ficam os Tribunais e órgão do Poder Executivo obrigados a guardar-lhes plena obediência. Tal como acentuado, o caráter transcendente dos efeitos vinculantes impõe que sejam considerados não apenas o conteúdo da parte dispositiva da decisão, mas a norma abstrata que dela se extrai, isto é, a proposição de que determinado tipo de situação, conduta ou regulação – e não apenas aquele objeto do pronunciamento jurisdicional – é constitucional ou inconstitucional e deve, por isso, se preservado ou eliminado”. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e Controle de Constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 1999, pp. 450-451.
[72] A Súmula Vinculante (Art.103-A da Constituição Federal) é um típico instrumento de padronização decisória no âmbito do Controle de Constitucionalidade na sua via Difusa ou Incidental, possibilitando uma unidade interpretativa do próprio direito e seus institutos, consoante afirma Roger Stiefelmann Leal, nos seguintes termos: “Prefere-se, assim, via interpretativa que privilegie a unidade conceitual do instituto. Nesse sentido, a atribuição de efeitos vinculantes às súmulas, a exemplo do que sucede em relação às decisões do Supremo Tribunal Federal em controle abstrato de normas, tem como resultado prático a imposição de seus fundamentos determinantes aos órgãos e poderes especificados na norma constitucional. A ratio decidendi do verbete sumular – objeto da vinculação – alcança, na hipótese, os princípios e interpretações asseverados na motivação dos reiterados julgados que embasam a sua edição. Em outras palavras: os fundamentos determinantes das súmulas são os fundamentos determinantes dos precedentes que lhes deram origem”. LEAL, Roger Stiefelmann. O efeito vinculante na jurisdição constitucional. 2006, p. 177.
[73] A esse respeito, Elival da Silva Ramos ao tratar das súmulas vinculantes e salientar seu ganho qualitativo, aponta, outrossim, para o descompasso institucional entre os mecanismo de uniformização e padronização da jurisprudência, nos seguintes termos: “Não há como negar os ganhos proporcionados pela súmula vinculante em termos de uniformização jurisprudencial, muito embora não se elimine a disfunção decorrente de nosso sistema de controle de constitucionalidade, que continua a combinar difusão e incidentalidade, não impedindo, pois, que juízes e tribunais ‘continuem a decidir de modo contraditório acerca da constitucionalidade de leis e atos normais e decidir, por vezes, em caráter definitivo (salvo propositura de ação rescisória, se cabível)’”. RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial: parâmetros dogmáticos. 2010, p. 298.
[74] No que tange à questão do Controle difuso de Constitucionalidade, um dos principais problemas consiste na falta de preparo dos juízes de carreira para apreciarem questões de impacto político, o que gera mais inconsistências nos processos decisórios. A esse respeito Roger Stiefelmann Leal assevera que: “Sob esse enfoque, o perfil do juiz constitucional assume papel de extremo relevo. Ocorre que o padrão do magistrado de carreira, habituado às tecnicalidades da legislação ordinária, apresenta sérias incompatibilidades com o exercício da jurisdição constitucional, atividade que vai além, sobretudo em matéria de direitos fundamentais, da acanhada tarefa de exegese da lei. O controle de constitucionalidade das  leis, segundo, Capelletti, requer uma atitude dificilmente compatível com as tradicionais ‘debilidades e timidez do juiz de modelo continental. O magistrado de carreira, legitimado pelo conhecimento técnico demonstrado em concurso público, tem como especialidade a aplicação da lei, e não a sua critica”. LEAL, Roger Stiefelmann. As convergências dos sistemas de Controle de Constitucionalidade: aspectos processuais e institucionais. 2006, p. 76.
[75] A esse respeito Humberto Ávila aduz que: “É preciso dizer, no entanto, que não é a ponderação, enquanto tal, que conduz à constitucionalização do Direito, à desconsideração das regras (constitucionais e legais), à desvalorização da função legislativa e ao subjetivismo. O que provoca essas conseqüências é a concepção de ponderação segundo a qual os princípios constitucionais devem ser usados sempre que eles puderem servir de fundamento para uma decisão, independentemente e por cima de regras, constitucionais e legais, existentes, e de critérios objetivos para sua utilização. Uma ponderação, orientada por critérios objetivos prévios e que harmonize a divisão de competências com os princípios fundamentais, num sistema de separação de Poderes, não leva inevitavelmente a esses problemas”. ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre “ciência do direito” e o “direito da ciência”. 2009, p. 197.