Sodré, Habacuque Wellington Sodré. As contingências das demandas individuais frente à questão da universalização dos direitos sociais no contexto da Judicialização da Política. IN REVISTA DE PROCESSO (RePro), VOL.200, Ano 36 - outubro 2011, pp. 279-310.
AS CONTINGÊNCIAS DAS DEMANDAS INDIVIDUAIS
FRENTE À QUESTÃO DA UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS NO CONTEXTO DA
JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA.
HABACUQUE WELLINGTON SODRÉ[1]
Resumo: A presente análise tem como escopo analisar a questão
se, no contexto da judicialização da política, as demandas individuais
constituem ou não um atentando ao postulado de universalização dos direitos
sociais. Para isso, utilizar-se-á uma
metodologia dicotômica, a saber: revisão da literatura a respeito da
judicialização das políticas públicas e do conceito de políticas públicas
sociais e seu caráter universal e pesquisa jurisprudencial. Quanto aos
resultados, aponta-se que as demandas individuais constituem mecanismos hábeis
para implementação de direitos e não de políticas públicas, pois, essas tem
como primado a universalização (todos que estiverem em iguais condições devem
obter o mesmo benefício – casos iguais – decisões iguais), o que aponta para
necessidade de mecanismos que tornem as decisões judiciais, que versem sobre
direitos sociais, universais no espectro jurisdicional. Por fim, serão
verificadas as implicações do tema.
Palavras-chaves:
Direitos Sociais; Universalização;
Demandas Coletivas; Sujeitos de Direito; Demandas Individuais; Custos dos
Direitos; Custos de Transação; Orçamento.
Résumé: Cet article vise à analyser
la actuelle façon du Procédure Civile brésilien face au problème de
l’universalisation des droits sociaux par le moyen du contrôle juridictionnel
des politiques publiques, en particulier dans las demandes individuelles dont
l’objet du litige est la tutelle juridique des droits fondamentaux de
prestation. Pour tenter de cerner les enjeux et les débats que soulève,
on utilisera une approche dichotomique, à savoir: 1) une revue de la
littérature du Procédure Civile et la Juridiction Constitutionnelle dans
l’aspect adjective, et des Droits Sociaux et las Politiques Publiques dans
l’aspect substantive; 2) une recherche de la jurisprudence relative à l'octroi
d'une tutelle juridictionnelle dans las demandes dont les revendications sont
versement des droits sociaux de prestation. Les résultats montrent que, au
Brésil, le Contrôle Judiciaire des politiques publiques est accompli autant des
actions individuelles que des actions de nature collective, cependant il y a
une plus grande manipulation des mécanismes procéduraux d'un caractère libéral
ou individuelle que ceux de nature collective, cette manipulation ne convient
pas toujours la revendication de l’universalisation des droits sociaux, ce qui
démontre la nécessité de créer une procédure civile spécifique à ce type de
droit avec des instruments capables de étendre la cognition et l'octroi d'une
tutelle juridictionnelle effective. Enfin, les conséquences seront
vérifiées sur le sujet.
Mots-clés: Droit Procédure Civile; Droits Sociaux; Actions individuelles; Actions
collectives; Le Contrôle Juridictionnel de la Politique Publique.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da judicialização da política. 3.
Das políticas públicas sociais e seu caráter universal: uma questão se saber
quem são os sujeitos dos direitos sociais. 4. Do problema das demandas individuais frente ao
postulado da universalização dos direitos sociais. 5. Da construção de lege
ferenda de um mecanismo que possibilite as demandas individuais minorarem
os custos de transação e da violação da universalização das políticas públicas
sociais. 6. Considerações. 7. Bibliografia.
1. Introdução.
A
presente análise tem como objeto analisar à questão se as demandas individuais
constituem ou não um atentado a universalização dos direitos sociais. Tal
exposição será trabalhada, a partir do contexto do ativismo judiciário ou da
judicialização da política, tomando-se uma posição utilitarista na análise das policies.
Para o
desenvolvimento dessa perquirição far-se-á uma revisão da literatura tanto
sociológica, jurídica, política e econômica a respeito do controle de políticas
públicas sociais, por meio de decisões do Poder Judiciário. Além disso,
observar-se-á alguns julgados atinentes às políticas judicializadas,
especialmente, o caso da saúde, no que tange ao fornecimento de remédios.
Assim, a
presente pesquisa possui quatro seções. Numa primeira parte, discutir-se-á o
contexto da judicialização da política, ou seja, como se opera o ativismo
judicial, pontos positivos e negativos. Na segunda parte, discutir-se-á as
políticas públicas sociais, a partir de seu conceito e a sua natureza
universal, perquirindo-se quem seriam, em última análise, os sujeitos dos
direitos sociais, os indivíduos ou os grupos. Na terceira seção, será
verificado o pano de fundo, no qual buscar-se-á verificar quais os problemas
que as demandas individuais ensejam ao postulado da universalização dos
direitos sociais, principalmente, frente ao orçamento.
Por fim,
tentar-se-á propor questões de lege
ferenda, como, por exemplo, mecanismos que gerem a possibilidade de uma
minoração dos custos de transação, frente a compra, aquisição e prestação de
serviços por parte do Estado aos administrados, especialmente, quando condenado
a uma obrigação de fazer ou de dar referente a uma política pública.
Nesse
sentido, observa-se que como ferramental teórico, utilizar-se-á a teoria dos
custos do direito e a perspectiva utilitarista de bem-estar, ambas para construção do conceito de
políticas públicas e do impacto das decisões judiciais no sistema político.
Portanto,
ao final serão observadas as implicações do tema, discutindo-se o aspecto
epistemológico e pragmático do tema, a partir das digressões das seções acima
descritas.
2. Da Judicialização da Política.
Inicialmente,
faz-se mister observar o contexto em que se insere a problemática das demandas
individuais frente a necessidade de universalização dos direitos sociais. Para
isso, faz-se imperioso responder a seguinte indagação: o que seria a
judicialização da política ou ativismo judicial? Qual a sua origem?
O
ativismo judiciário[2] está
atrelado a uma concepção na qual o Poder Judiciário assume o papel de
fiscalização, desde que provocado, no controle de constitucionalidade, seja no
âmbito concentrado, seja na esfera difusa, para analisar e conformar as
políticas públicas ao texto da Constituição Federal, buscando-se com isso a
efetividade dos direitos declarados. Essa posição, assevera que o texto
constitucional não pode ser visto como uma declaração de boas intenções, mas
deve buscar o máximo[3] de
efetividade[4] possível
dos direitos insertos na Carta Política.
Nesse
sentido, principalmente, a partir do controle de constitucionalidade e da
possibilidade do controle judicial das políticas públicas, têm-se discutido o
poder político dos juízes, inclusive, colocando-se a preocupação a respeito do
chamado “governo dos juízes”[5].
Seguindo essa linha, o ativismo apareceria como uma ação interventiva dos
juízes no plano da política e nas políticas públicas.
Na
direção de uma crítica ao ativismo judicial, Elival da Silva Ramos[6]
propõe um conceito de ativismo judicial como desrespeito a separação dos
poderes e uma intervenção judicial na política, afrontando à democracia
diretamente, consoante se infere de sua análise, in verbis:
“Ao fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é a
ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento
principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e,
até mesmo, da função do governo. Não se trata do exercício desabrido da
legiferação (ou de outra função não jurisdicional) que, aliás, em
circunstâncias bem delimitadas, pode vir a ser deferido pela própria
Constituição aos órgãos superiores do aparelho judiciário, e sim da
descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com a incursão
insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a
outros poderes”.
A partir
dessa perspectiva, observa-se que a crítica se dirige no sentido (normativo) de
impedir que os juízes controlem as policies.
Assim, na mesma direção da crítica do ativismo judicial como uma atuação
negativa e antidemocrática, o liberal Ronald Dworkin assevera ser esse um
equívoco de atuação indo em sentido contrário a moralidade política, na medida
em que esse movimento pressupõe discricionariedade judicial e desapego a
separação dos poderes, além de afirmar no aspecto normativo de sua teoria que
os juízes devem decidir com base em argumentos de princípio e não em argumentos
de política[7]. A
respeito de sua crítica ao ativismo judicial, essa se direciona à teoria
pragmática (realista norte-americana), consoante se depreende dos seguintes
termos:
“O ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurídico. Um juiz
ativista ignora o texto da Constituição, a histórica de sua promulgação, as
decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as duradoras
tradições de nossa cultura política. O ativista ignoraria tudo isso para impor
a outros poderes do Estado o seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige”[8].
Portanto,
observa-se que não é possível a apropriação da teoria dos princípios de Ronald
Dworkin para construção de uma teoria ativista dos direitos fundamentais, pois,
seu objetivo é construir uma teoria liberal do direito, cujo
embasamento é uma teoria política liberal. Essa teoria liberal objetiva um
enfraquecimento do Estado e a restrição de sua ação na esfera das liberdades
individuais. Esse modelo está muito mais preocupado em proteger o indivíduo da
ingerência do Estado, mas olvida de observar as transformações sociais e as
necessidades de garantir os direitos declarados, principalmente, no que tange a
direitos sociais[9].
Por sua
vez, essas teorias que criticam o ativismo judicial estão estritamente ligados
a uma posição liberal do direito, o que não se compatibiliza com a
transformação do Estado de um estágio de absteísmo para um Estado
intervencionista ou Estado Social[10].
No plano do Estado Social, observa-se que surge o dever ao Estado de intervir
na economia e prestar, por meio serviços públicos, o atendimento as
necessidades sociais proporcionam satisfação de utilidades básicas para vida do
cidadão.
Daí a
necessidade de um planejamento e da construção de políticas públicas que venham
atender a necessidade dos administrados, o que nem sempre acontece e acaba
engendrando condições para que o ativismo ou protagonismo do Poder Judiciário
se estabeleça, principalmente, em países periféricos, onde o Estado, por vezes,
queda-se inerte frente a realização dos direitos declarados, o que acaba resultando
numa explosão da litigiosidade[11].
Assim,
como o texto da Constituição Federal prescreve como dever do Estado a tomada de
medidas e o estabelecimentos de políticas públicas que materializem os direitos
fundamentais sociais, outrossim, estabelece os meios de ação, para garantir a
sua implementação, especialmente, por meio de decisões judiciais, com destaque
àquelas que têm como escopo controlar à constitucionalidade dos atos políticos.
Nesse sentido, pode-se observar, que tais elementos apontam para um cenário
que, impreterivelmente, desencadeou o ativismo judicial, principalmente, pela
passividade do Estado no estabelecimento de políticas públicas que atendam as
necessidades sociais dos administrados.
Destarte,
sem a manifestação judicial na procura da efetivação judicial, os direitos
fundamentais sociais ficariam sem a operacionalidade pretendida pela soberania
popular, bem como pela teoria do
Constitucionalismo.
Segundo
Ada Pellegrini Grinover[12],
o controle da constitucionalidade das políticas públicas pelo Poder Judiciário,
ou seja, o ativismo judicial aparece como um mecanismo que busca garantir a
efetivação não apenas dos direitos declarados, mas a adequação dos atos do
poder público e das políticas públicas aos fins do Estado prescritos no artigo
3º da Constituição Federal.
Nesse
diapasão, infere-se que o controle jurisdicional de políticas públicas
constitui um mecanismo adequado, para que se evite que ações de governamentais
afrontem a soberania popular, ou seja, ao Estado implica o dever de sanar e
satisfazer as necessidades sociais latentes no seio da sociedade, por meio de
políticas públicas adequadas.
Porém,
salienta-se que o abuso do poder político do Poder Judiciário pode desembocar
em uma discricionariedade judicial, bem como uma tentativa de usurpação da
função típica dos outros poderes do Estado. Nesse plano, então, observa-se que
o problema reside, especialmente, no abuso do poder político dos juízes, pois,
apenas esse abuso é o que constitui uma violação direta ao princípio da
separação dos poderes do Estado, principalmente, no caso brasileiro, onde há
previsão expressa no art. 2º da Constituição Federal de 1988[13].
Portanto,
observa-se que o ativismo judicial ou a judicialização da política constitui um
movimento, em um dado momento histórico, mas que no Brasil ganhou força a
partir do final da década de 1980 e gradualmente foi crescendo até dias
hodiernos, tendo como finalidade à
satisfação das necessidades sociais, por meio da efetivação dos direitos
declarados e do controle judicial da constitucionalidade das políticas
públicas. Contudo, faz-se imperioso salientar que o abuso do poder pode,
inclusive, gerar uma violação grave à separação dos poderes, principalmente,
quando esses órgão julgadores usam da discricionariedade judicial para decidirem
os casos concretos individuais, o que implica numa distorção do sentido do
ativismo judicial.
Em
síntese, as condições e mecanismos prescritos na Constituição Federal imputaram
poderes políticos ao Poder Judiciário como guarda dos direitos fundamentais
declarados. Entretanto, faz-se imperioso evitar o abuso do poder, sob pena de
violação a forma democrática de governo prescrita na Carta Política. As
contingências, contudo, no plano empírico revelam a existência desse abuso, o
que põe em xeque as pretensões de garantia da Constituição Federal, ficando
pouco nítido a distinção entre sistema político e sistema jurídico[14].
3. Das políticas públicas sociais e seu caráter universal: uma questão
se saber quem são os sujeitos dos direitos sociais.
Assim, observado
o pano de fundo em que está posta a questão se as demandas individuais impedem
a universalização dos direitos, faz-se mister observar qual o conceito de
política pública social ou redistributiva, para o fim de entender quem são os
sujeitos dos direitos sociais.
Nesse
sentido, faz-se necessário analisar esse o conceito de políticas públicas[15],
principalmente, na sua categoria social, porque é por meio das policies que o Estado planeja e
implementa os direitos sociais prescritos nos diplomas jurídicos e políticos,
como, por exemplo, no caso de uma Constituição escrita que declara direitos
sociais, como ocorre no sistema jurídico brasileiro.
A
respeito do conceito de políticas públicas, infere-se da literatura pertinente
que esse não é unânime na teoria
política, mas para fins metodológicos, pode-se asseverar que uma definição
jurídica de políticas públicas é aquela que vê tais manifestações do Estado
Social Keynesiano como programas de ação governamental que não se exprimem
necessariamente, no instrumento jurídico do plano[16].
Por sua
vez, Ronald Dworkin[17],
quando faz a distinção entre argumentos de princípios e argumentos de política,
define o sistema que se baseia nos argumentos da política como sendo aquele se
justifica uma decisão com base em um objetivo geral da comunidade, ou seja, a
partir do conceito de bem-estar não de um indivíduo, mas da comunidade como um
todo.
Segundo
José Reinaldo Lima Lopes[18],
as políticas públicas, do ponto de vista jurídico, são um conjunto heterogêneo
de medidas, que envolvem leis programáticas, portanto, orçamento de despesas e
receitas.
Entretanto,
tais conceitos parecem rasos de mais para abarcar o que venha a ser políticas
públicas. Assim, tomando por base a teoria das policies analysis, Klaus Frey[19],
vai distinguir três dimensões da política, na qual as policies ou políticas públicas aparecem como o conteúdo concreto da
atuação política, ou seja, a configuração dos programas políticos aos
problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas.
Destarte,
pode-se partir do conceito de políticas públicas, como sendo um conjunto de
medidas institucionais que constituem programas de ações para implementação de
certas finalidades ou objetivos, embasadas num cálculo de custo e benefício da
intervenção do Estado e do risco das estratégias adotadas em face do orçamento,
sendo performativa da atuação grupos de
interesse da sociedade, bem propicia aos interesses organizados a oportunidade
de influenciarem a atuação da arena política por meio do estabelecimento da
agenda e, em última análise, das próprias policies
numa lógica de circularidade. Assim, observa-se que tanto as políticas públicas
constituem à arena política e atuação dos grupos de interesse, como também a
arena política e a influência dos grupos de interesse nesse cenário,
conjuntamente, constituem as políticas públicas.
Dito
isso, importante analisar as políticas públicas sociais que constituem o mote
da presente pesquisa, na medida em que a judicialização da política atua,
outrossim, nas diversas áreas das policies,
porém, é no plano das políticas sociais que vem se destacando a intervenção
judiciária.
A
respeito desse ponto, pode-se asseverar que as políticas públicas sociais têm
como característica primária serem redistributivas[20],
no sentido da ciência política, ou seja, visam distribuir bens e serviços de
forma universal aos administrados, visando com isso a melhoria da qualidade de
vida dos cidadãos. Do ponto de vista jurídico, essas forma de política pública
se presta a realização dos direitos sociais[21],
os denominados direitos de segunda geração, os quais abarcam uma atuação
positiva ou prestacional do Estado frente aos sujeitos de direito.
Nesse
sentido, na passagem do Estado Liberal para o Estado Social de Direito, o ente
público encontra-se obrigado, por força da Constituição num processo histórico
de lutas[22], a não
apenas respeitar a liberdade do cidadão, por meio de uma conduta negativa ou de
uma posição de absteísmo estatal, mas, ao contrário, implica uma atuação
concreta a fim de garantir aos cidadãos, um mínimo de dignidade, por meio do
oferecimento de bens e serviços postos à disposição da população como é o caso
da saúde, da educação, da assistência social, da previdência social e etc.
A partir
daí surgem as seguintes aporias: como deveria o Estado levando em conta as
receitas públicas adotar medidas que assegurassem a efetividade dos direitos
sociais? Como deveriam ser adotadas essas medidas? E quem são os destinatários
dos direitos sociais?
Nesse
sentido, tentar-se-á analisar essas questões sob um enfoque utilitarista[23],
apesar, de por vezes, trazer-se argumentos de liberalismo igualitário que se
coadunam de certa forma com as premissas utilitárias, em certo sentido.
Em
primeiro lugar, quanto à questão de como deveriam ser adotadas às políticas
públicas sociais visando garantir a efetividade dos direitos sociais,
observa-se que, para isso, o Estado deveria ter em conta as receitas e as
despesas, bem como escolher as prioridades na realização dos direitos, tendo em
vista que os recursos são escassos e que é preciso levar essa premissa a sério[24].
Desse
modo, um mecanismo para se realizar os direitos sociais é adotar uma política
pública universal, para que com isso o custo de transação possa ser menor, ou
seja, realiza-se a redistribuição de bens e serviços socialmente de modo igual,
com igual acesso a esses serviços, buscando-se com isso a melhoria da qualidade
de vida dos administrados. A redução do custo encontra-se, justamente, na
previsão de uma política geral que abarque todos os indivíduos, seja na aquisição
de bens, seja prestação de serviços, sendo que o cálculo do custo será menor se
adquiridos os bens ou serviços em grandes quantidades (lotes, ou seja, no
atacado), ao invés de se adquirir de acordo com a solicitação de cada indivíduo
(varejo).
Observa-se,
assim, que a característica da universalidade de abarcar todos os indivíduos
que estejam em igual situação constitui o primado de qualquer política pública,
especialmente, na sua forma social, pois, bastaria o preenchimento dos
requisitos legais para obtenção do benefício, pelo menos em tese. Por isso, não
é possível a implementação de um direito de um cidadão em face de uma política
pública[25] e
o não atendimento aos demais em igual situação, sob pena de estar-se cerceando
o acesso aos benefícios institucionais prescritos na Constituição e violando-se
a igualdade de oportunidade e de acesso[26].
Ante
esses pontos, a resposta a primeira questão seria à adoção de políticas
públicas sociais universais, isto é, há a necessidade de uma implementação dos
direitos sociais que abranjam todos os sujeitos em iguais condições.
Como
decorrência da primeira proposta, em sentido normativo, a segunda resposta
implica na realização e na colocação à disposição dos cidadãos serviços
públicos eficientes e qualitativamente adequados às satisfação das necessidades
sociais, de modo que sejam realizadas as expectativas dos administrados frente
as utilidades básicas para a vida em sociedade, o que, em outras palavras
significa que as políticas públicas devem ser tomadas buscando aumentar o nível
de vida médio dos sujeitos de direito, ampliando, gradualmente, a qualidade de
vida e satisfação dos usuários dos serviços e bens públicos.
Por fim,
a última questão a respeito das políticas públicas sociais como implementação
dos direitos sociais, questiona quem seriam os destinatários dos direitos
sociais. Essas resposta é dada pela própria teoria dos direitos humanos, a
saber: o destinatário dos direitos sociais é o ser humano concreto[27],
ou seja, todos aqueles que estiverem iguais condições são vistos como
destinatários desses direitos (formando um grupo generalizado de indivíduos em
iguais condições)[28],
como no caso das crianças, dos idosos, dos doentes, dos deficientes, dos
trabalhadores, das mulheres e dos homens.
Nesse
diapasão, verifica-se que como o ser humano concreto se encontra no grupo
social passa a ser destinatário dos direitos sociais e faz jus a implementação
de uma política pública eficiente e eficaz, isto é, todos que precisam de um
determinado medicamento devem recebê-lo se esse for prescrito por um
profissional da área de saúde (o médico), as crianças de um mesmo bairro que
precisam de creche ou vagas na escola devem ter direito às vagas sob pena de
não realização do direito social, ou, então, o atendimento apenas um indivíduo,
em detrimento dos demais, engendraria apenas mais desigualdades sociais, do que
propriamente igualdade, a qual configura o valor central dos direitos de
segunda geração.
Portanto,
observa-se que as características centrais das políticas públicas sociais são:
1) análise dos custos e dos benefícios dos meios de efetivação dos direitos
sociais, ou seja, dos mecanismos de intervenção do Estado; 2) a universalização
dos benefícios concedidos, isto é, os indivíduos em iguais condições fazem jus
a igual benefício, o que configura o ideal de justiça distributiva, implicando
na atuação do Estado frente a globalidade daqueles que preenchem os requisitos
previstos em lei e na regulação da política pública; 3) Os custos devem ser
suportado por toda sociedade; 4) Implicam numa atuação ou prestação por parte
do Estado, por meio da colocação de serviços públicos eficientes à disposição
dos administrados; e, por fim, 5) os direitos sociais têm como destinatários o
ser humano em sentido concreto, do que resulta que o ser humano só sujeito
enquanto parte de um grupo, a saber, como doente, criança, idoso, trabalhador,
adulto, homem, mulher, pobre, rico, buscando-se com isso garantir o ideal de
igualdade substancial e não apenas a igualdade formal presente nas declarações de
direitos oitocentistas.
Em
síntese, observa-se que as políticas públicas são programas de ações, enquanto
instrumentos de efetivação de direitos, ensejando a combinação do cálculo de
custo e benefício na relação entre despesas e receitas, visando distribuir,
regular e redistribuir benefícios. As políticas públicas sociais tem como
escopo redistribuir bens buscando assegurar a minoração das desigualdades, bem
como o aumento do padrão de vida médio, tendo em vista que não é possível a
elevação do bem-estar do cidadão aos padrões de máxima satisfação, porque o
Estado não tem condições fáticas de fazê-lo, tendo em vista a necessidade de se
levar a escassez a sério.
Por esse
motivo, quando as políticas públicas sociais são formuladas na arena política,
como o processo é contingente, ou seja, sempre poderia ser diferente por causa
das influência dos interesses organizados, acaba-se, por vezes, não se
formulando uma política que atenda aos interesses sociais, mas, na maior das
vezes, políticas que atendam a interesses econômicos setoriais[29].
4. Do problema das demandas
individuais frente ao postulado da universalização dos direitos sociais.
Isto
posto, importante analisar a questão de como as políticas públicas sociais nem
sempre são efetivadas, o que de certa forma, engendra a realidade do ativismo
judicial e da judicialização da política, ou seja, a questão da efetividade,
pela via judicial, dos direitos sociais[30].
Para
efeitos utilitaristas e políticos, o locus
decisório para discussão das políticas públicas não seria o Poder
Judiciário, tendo em vista que não é possível a observação das preferências dos
cidadãos como um todo, como por exemplo, acontece com o Congresso, onde, por
meio da legitimação plebiscitária, os interesses organizados (agentes econômicos
e movimentos sociais) debatem para fixação das prioridades e dos meio de
implementá-las[31].
Contudo,
como nem sempre é possível que a democracia se mantenha nesse padrão, apesar,
do desacordo político entre realização de direito e do suposto controle judicial
de políticas públicas, faz-se mister analisar se realmente, no âmbito do
Judiciário, ocorre esse controle das políticas públicas, o que implicaria numa
alteração das políticas públicas para atingir globalmente os indivíduos que
estão em iguais condições ou, então, o que se faz apenas é garantir direitos
individuais, o que não significa controle de políticas públicas.
Nessa
senda, observados os pressupostos já analisados nesse trabalho em relação às
políticas públicas sociais, faz-se mister responder a seguinte questão: as
demandas individuais consistiriam ou não um atentado ao postulado da
universalização dos direitos sociais?
A
primeira vista, antes de responder à questão faz-se mister observar as
potencialidades positivas e negativas das demandas individuais. No que tange às
potencialidades positivas, assevera-se que esse tipo de ação é benéfica,
porque, em primeiro lugar, garante direitos consagrados na Constituição e, em
segundo lugar, implica num mecanismo que se repetido muitas vezes pode influenciar
na formulação de uma política pública pelo impacto orçamentário que cada
demanda individual possui para garantir
as expectativas normativas dos autores dessas demandas. Por outro lado,
as potencialidades negativas, outrossim, existem, na medida em que se verifica
que uma demanda puramente individual, em dois momentos, viola o escopo do
Estado Social, tanto onerando excessivamente o orçamento, como também
obstaculizando o sentido universal e coletivo dos direitos sociais.
Primeiramente, as demandas individuais oneram o orçamento
público com sua repetição, pois, com esse tipo de demanda o custo orçamentário
tende a crescer, ou seja, a aquisição de um bem ou fornecimento de um serviço
para um indivíduo tem um custo de transação maior do que aquele adquirido para
toda coletividade[32].
Outrossim, as demandas individuais, ao proporcionarem resultados individuais,
geram distorções no núcleo teórico dos direitos sociais, isto é, afetam a
igualdade[33] e a
universalidade (direitos iguais para aqueles que estão em iguais condições),
pois, garantem apenas o direito ao indivíduo, que consoante se observou do item
anterior, é sujeito apenas reflexamente dos direitos sociais, deixando-se de
lado, com isso, a igualdade material, bem como passa-se a dar a um direito
social tratamento semelhante aos direitos de ordem liberal, como aqueles de
primeira geração.
No que
tange a diferença entre políticas públicas e o exercício de direitos de forma
liberal, José Reinaldo Lima Lopes[34]
salienta que o modo de adjudicação de políticas públicas se difere daquele do
processo civil liberal, consoante se infere de sua explicação sobre o tema:
“Em segundo lugar há os conflitos chamados coletivos, divididos em duas
categorias. Uns mostram grupos organizados que reivindicam benefícios sociais
ou individuais coletivamente fruíveis (saúde, moradia, educação, transporte,
etc.). Nesses casos, a solução natural não é o ato de adjudicação (típico do
Judiciário), mas uma política pública. Trata-se de uma solução que requer não
apenas um reconhecimento de um direito subjetivo e de um dar/entregar ou
obrigar a dar/entregar alguma coisa ou alguma quantia de dinheiro, mas um fazer
ou prover um serviço público (contínuo, ininterrupto, impessoal etc.). Serviços
públicos exigem meios: receita para seu custeio, pessoal e material para sua
execução, poder ou competência para sua efetividade (desapropriação,
policiamento, fiscalização, regulação administrativa, remoções, etc.). Tais
conflitos encontram no Judiciário um canal para visibilidade, para se criarem impasses
que obriguem a negociações: evitarem que demandas básicas levassem a revoltas
populares contínuas”.
Dessarte,
as políticas públicas não podem ser tomadas isoladamente, por isso, faz-se
mister observar que essas devem ser apreciadas em seu conjunto, porque a
redistribuição do bem-estar social, outrossim, é e deve ser universal, sendo
feita por área social: Saúde, Educação, Moradia, Lazer, Cultura, Previdência
Social, Assistência Social e outros interesses difusos. E nessas áreas,
observa-se, posteriormente, uma nova divisão dos recurso em rubricas
específicas. Assim, a majoração orçamentária em uma área social implica na
diminuição em outra, tendo em vista que as fontes dos recursos não são
ilimitados.
Mutatis Mutantes, a majoração que uma
política pública pleiteada em uma demanda individual[35]
engendra, muitas vezes, por falta de análise global das distribuição dos
recursos, uma minoração de recursos para outras áreas, ou seja, o reflexo de
uma demanda individual provoca uma minoração no atendimento de uma política
universal. Logo, há necessidade de serem criados mecanismos que visem tornar
coletivos seus reflexos, mas coletivo no sentido de ser possível avaliar e
calcular o impacto da decisão judicial em outras políticas públicas universais,
sejam ou não daquela área, e, ato contínuo, o julgador deverá realizar o
sopesamento entre o atendimento de uma
universalidade de sujeitos com prioridades mais genéricas ou sujeitos com
prioridades mais específicas.
Assim,
verifica-se que a natureza dos conflitos sobre políticas públicas é coletiva, o
que resulta no dever da superação do modelo de adjudicação típico do processo
civil liberal de ações individuais. Isso se dá porque, conforme já salientado
no item anterior, os sujeitos dos direitos sociais são os grupos, as
coletividades, o ser humano enquanto parte de um grupo em sentido lato, ou
seja, enquanto doente, mulher, criança, idoso, trabalhador, pobre (carente da
assistência social), aposentado. Olvidar desses detalhes consiste em não
entender e não efetivar o escopo dos direitos sociais (que não são um rol de
direitos individuais, mas um rol de direitos de grupo ou classe), a saber, a
igualdade material que significa: tratar universalmente iguais todos os que
estiverem em iguais condições ou que preencham os requisitos para obtenção do
benefício.
A
respeito de tal concepção, faz-se mister observar que os teóricos dos direitos
fundamentais e dos direitos humanos já entendiam esse fato, que os direitos
sociais são direitos coletivos em sentido lato, pois, se tomados
individualmente, em demandas de tipo liberal, jamais obterão a efetividade
desejada, ou seja, não estar-se-á tratando ou analisando uma políticas pública,
mas sim meros direitos individuais[36].
Portanto,
observa-se que as demandas individuais puras, apesar de algumas vezes
produzirem efeitos positivos, constituem uma atentado ao postulado da
universalização de direitos sociais por meio de políticas públicas universais,
na medida em que aumentam o custo da decisão e da execução, bem como realizam
direitos sociais de forma liberal, o que é contrário ao escopo desse
direitos, importando na violação da
igualdade material em sentido universal, ou seja, direitos de natureza coletiva
lato sensu não podem ser exercidos
individualmente sob pena de não se dar os mesmos benefícios a quem está em
igual situação, o que, infelizmente, vem
acontecendo na prática.
A única
forma de ação individual que não atenta contra o postulado da universalização
dos direitos sociais é aquela cujos efeitos são coletivos[37].
Como exemplos, cita-se o caso de uma demanda que pede a inclusão de um remédio
na lista do SUS, ou o caso da adaptação de um escola às necessidade dos
deficientes físicos. Contudo, observa-se que o espectro desse tipo de ação,
ainda, é muito limitado no ordenamento jurídico brasileiro.
Em suma,
as distorções presentes no sistema jurídico brasileiro aparecem na medida em
que o processo civil brasileiro ainda possui contornos liberais que não se
coadunam as expectativas normativas coletivas, as quais estão na base dos direitos
sociais. Entretanto, tais prejuízos (
aumento dos custos judiciais decisórios e dos custos da execução) não se
verificam naqueles casos em que as ações individuais tem efeito coletivo, o que
constitui exceção no sistema jurídico brasileiro. Assim, as características
básicas de um processo judicial adequado à análise das políticas pública seria
sempre aquele em que ocorresse a coletivização do resultado de qualquer
demanda, individual ou coletiva, cujo pleito fosse um direito social, isto é,
onde pudessem ser estendidos os efeitos da decisão judicial, que versasse sobre
direitos de segunda geração, a todos os sujeitos de direito em iguais
condições, o que, por ora, ainda não é possível de ser feito na via individual,
mas apenas na via coletiva. Na via individual, a questão é de lege ferenda, o que implica na
necessidade de alteração no arranjo institucional processual, conforme
propõe-se no item seguinte.
5. Da construção de lege ferenda
de um mecanismo que possibilite as demandas individuais minorarem os custos de
transação e da violação da universalização das políticas públicas sociais.
Consoante
já exposto durante toda a presente análise, as mazelas acerca da escassez
fática levam a necessidade de ser desenvolvido um arranjo institucional que lide
com as demandas referente às políticas públicas apenas em caráter coletivo, pois, as demandas individuais sobre
políticas públicas deveriam ter efeito coletivo ou universal, porque somente,
desse modo, seria possível um controle empírico dos impactos das decisões
judiciais no sistema político, principalmente, no orçamento e, por conseguinte,
em outras políticas públicas.
Além
disso, tomando-se as premissa de todo o presente expediente, observa-se a
necessidade de mecanismos de tutelas coletivas que atendam a esses interesses,
mas que, outrossim, proporcionem a concretização do escopo dos direitos
sociais, a saber, a universalização dos benefícios (a todos aqueles que
estiverem em iguais condições deve-se
conceder os mesmos benefícios).
Nessa
senda, considerando que o local apropriado para das políticas públicas não é o
Poder Judiciário, por falta de legitimidade plebiscitária, por não ser um poder
historicamente majoritário, mas o Poder Legislativo como locus apropriado para deliberação e o Poder Executivo como locus da execução dessas políticas,
verifica-se que, hodiernamente, esses Poderes do Estado acabam não realizando
suas funções, seja com a omissão do Executivo na implementação das policies ou, então, seja com omissão do
Legislativo na formulação de políticas públicas, seja por meio da hipertrofia legislativa,
porém, com conteúdos, cada vez mais indeterminados.
Tais
fatores, implicam na necessidade de uma atuação mais ativa do Poder Judiciário,
o que nem sempre se coaduna com a democracia, mas que torna-se necessária sob
pena de falta de efetividade dos direitos prescritos no texto da Constituição
Federal, o que ocorre, especialmente, na esfera dos direitos sociais.
Nesse
diapasão, surge a necessidade de um mecanismo judicial que possibilite maior efetividade
aos direitos sociais, se tomado uma posição a favor do ativismo judicial.
Assim, esse mecanismo seria a possibilidade de coletivização dos efeitos das
demandas individuais que versassem sobre direitos sociais, porque somente assim
seria concretizado o escopo de igualdade universal do dever prestacional do
Estado em fornecer bens e serviços. Além disso, possibilitar-se-ia um maior
controle do rearranjo orçamentário, evitando, destarte, o que ocorre
hodiernamente, a saber: as políticas públicas, por causa das ações individuais
vindas de diversos órgão julgadores, bem como seus efeitos individuais de
aumento do custo orçamentário resultam na construção de um orçamento ou de um
planejamento típico das policies como
uma colcha de retalhos.
Observa-se
que essa colcha de retalhos se manifesta, na medida em que a cada decisão
individual, ter-se-á um novo impacto orçamentário e novos rearranjos, o que,
por vezes, importa na não realização de outras políticas públicas universais,
tendo em vista o aumento do custo de transação e a escassez dos recursos
públicos.
Por
isso, como questão de lege ferenda,
observa-se que avaliando-se os impactos orçamentários e os custos (custos dos
direitos, custos decisórios e custo da execução individual e coletiva) as
demandas que versassem sobre direitos coletivos não realizados ou sobre
políticas públicas sociais não implementadas deveriam ter efeito coletivo. Esse
efeito, implicaria numa execução complexa, sem a qual não adiantaria a decisão
coletiva, de modo a estabelecer-se um planejamento conjunto entre o juiz ou
Tribunal prolator da decisão e os membros de outros poderes, como meio de
realização desses direitos via políticas públicas sociais eficientes e de
atendimento universal.
Nessa
conjuntura, o que se propõe, na verdade, é um novo tipo de processo para as
políticas públicas diferente daquele típico processo civil liberal. Nesse
processo, os indivíduos teriam a legitimidade para acionar o Poder Judiciário
para deduzir suas pretensões e necessidades, que seriam implementadas via
medidas de urgência, enquanto que o pedido principal seria analisado com uma
cognição ampla, na qual o orçamento seria juntado no processo e se verificaria
qual a maneira mais eficiente de implementar uma política pública. Tal decisão
seria mais negocial do que,
propriamente, condenatória, na medida em que se buscaria o interesse público.
Além
disso, como na execução complexa ter-se-ia a atuação conjunta dos três Poderes
do Estado e o acompanhamento de perto pelo Ministério Público, além dos órgãos
da própria sociedade civil, não haveria que se falar em violação à separação
dos poderes e nem tampouco em abuso do poder político do Poder Judiciário, como
vem acontecendo, hodiernamente, nas demandas individuais. Isso porque, nesse
caso as políticas públicas seriam encaradas como atos típicos do Estado de
Bem-Estar Social exercidos por meio da soberania que é una, mas que se exerce
nas diversas funções exercidas pelos Poderes do Estado, o que no caso de
atuação conjunta consistiria numa atuação da soberania em seu sentido pleno:
legislação, administração e jurisdição.
Contudo,
observa-se que para que tal arranjo institucional fosse possível, far-se-ão
necessárias à adoção de um conjunto de medidas legislativas, administrativas e
judiciárias que deveriam ser tomadas no
sentido de operacionalizar e viabilizar uma reforma institucional, o que
emergiria num novo tipo de processo, o processo das políticas públicas,
adequado as demandas que não de tipo liberal, como são aquelas próprias dos
direitos sociais, consoante se analisou durante toda à pesquisa.
Portanto,
verifica-se a necessidade de um novo processo e de um novo desenho
institucional, para que se lide de forma eficiente na realização dos direitos
sociais, por meio de políticas públicas efetivas, tendo em vista a escassez e a
distribuição racional dos recursos do erário.
6. Considerações finais.
Ante o
exposto, faz-se imperioso tecer algumas considerações finais sobre o tema.
Desse modo, observa -se que o locus decisório
das políticas públicas deveria ser o Poder Legislativo, cabendo ao Executivo
sua materialização ou execução e ao Judiciário restaria o Controle de sua
execução nos termos da Constituição e das leis reguladoras das políticas
públicas. Contudo, na prática, observa-se que tal fato não vem se efetivando,
seja pela passividade do Legislativo e do Executivo, respectivamente, em
formular e implementar políticas públicas, seja pela hipertrofia legislativa.
No caso da hipertrofia legislativa, observa-se que apesar da grande produção
legislativa, cada vez mais, nesses atos legislativos aparecem conceitos
jurídicos indeterminados que permitem à omissão do Poder Executivo na
efetivação dos direitos sociais,
alegando que se trata de uma questão de discricionariedade
político-administrativa na execução de políticas públicas sociais que
estabeleçam e regulem o modo de atuação prestacional do Estado.
Nesse
sentido, verifica-se que a intervenção judicial aparece como resposta a essa
passividade dos demais Poderes do Estado, apesar de contrariar ao sentido
tradicional de democracia e o exercício políticos pelos Poderes Majoritários,
mas sob o escopo da busca da efetivação de direitos. Contudo, essa forma de
atuação ativista tem gerado alguns problemas e distorções estruturais e
institucionais, por meio controle de constitucionalidade de políticas públicas.
Tal fato
se verifica, em primeiro lugar, com o abuso de alguns juízes em decidir
demandas individuais, as quais têm impacto orçamentário sobre as políticas
públicas, especialmente, aquelas afetas a direitos sociais, principalmente,
pelo aumento do custo de transação da execução judiciária ensejado por essas
tomadas de decisão. Além disso, em segundo lugar, as demandas individuais não
constituem mecanismos de atuação política, pois, o núcleo material das
políticas públicas é a universalidade, assim como o escopo dos direitos sociais
é a igualdade universal, ou seja, tratamento igualitário daqueles que estejam
em iguais situações. Assim, os direitos sociais deveriam ser exercidos de modo
coletivo e não de modo individual, porque os seus destinatários são as
coletividades ou ser humano em sentido concreto: os doentes, as crianças, os
idosos, os trabalhadores, as mulheres, os homens, os aposentados, etc.
Desse
modo, observa-se que as demandas individuais não atendem esse escopo
(igualitarismo universal), pois tratam de modo liberal, os direitos que não têm natureza liberal,
isto é, tratam individualmente o que tem natureza coletiva.
Na
prática, outrossim, mesmo nas demandas coletivas falta preparo aos juízes para analisarem
a escassez econômica[38],
bem como falta preparo para as pastas públicas levarem tais dados ao processo,
o que acaba gerando essa farra da intervenção[39] e uma execução decisória, muitas vezes,
ineficiente.
Portanto,
infere-se que a intervenção judicial no controle de políticas públicas deve ser
feita pela via da exceção, pois, em regra o locus
decisório para formulação das políticas públicas é o Poder Legislativo onde
os interesses organizados podem ser representados pela legitimação plebiscitária.
Além disso, infere-se que as demandas individuais aumentam os custos de
transação do Estado frente o orçamento. Caso as despesas fossem realizadas não
para um indivíduo, mas para todos aqueles que estivessem em iguais condições,
isso implicaria numa minoração desses gastos, possibilitando a formulação e
implementação de mais políticas públicas sociais.
Tal
prejuízo político-jurídico aparece geralmente nas demandas individuais, salvo
nos casos daquelas demandas individuais cujos efeito são coletivo. Nesse
sentido, conclui-se que as demandas individuais puras constituem um atentado ao
postulado da universalização dos direitos sociais, na medida em que aumentam o
custo orçamentário (e sabendo que os recursos são escassos) e por isso evitam a
implementação de outras políticas públicas sociais universais por comprometerem
a distribuição dos recursos do erário.
Em
síntese, observa-se que o modelo das ações individuais realiza e garante
direitos, mas não faz controle do políticas públicas, porque as políticas
públicas não podem ser alteradas para garantir o direito de um indivíduo, mas,
ao contrário, o controle judicial de uma política pública proporcionaria a
todos os indivíduos que estivessem em iguais condições os benefícios
assegurados pela decisão judicial.
Destarte,
para construção de um modelo de controle judicial de políticas públicas, não
poder-se-á partir de uma lógica daquela do Estado liberal, no qual preponderam
as ações individuais, como acontece atualmente no sistema jurídico brasileiro.
Ao contrário, no contexto do Estado
Social, só é possível pensar em demandas coletivas, conforme já fora
sublinhado, para lidarem com indivíduos que estejam no mesmo grupo, ou seja,
nas mesmas condições, para que se tenha igualdade no exercício do bem-estar social,
o que constitui o escopo nuclear dos direitos sociais, em suma, igualdade
material. Sem essa igualdade material não há direitos sociais, mas pretensões
sociais realizadas como direitos individuais, o que, de certa forma, afronta os
objetivos pelos quais se conquistaram historicamente os direitos sociais.
Portanto,
faz-se mister uma alteração no plano institucional, com a criação de mecanismos
que possibilitem um novo tipo de processo, o processo das políticas públicas,
em que mesmo nas demandas individuais se obtenha o efeito coletivo[40],
ou seja, nesse novo processo a decisão implicará na satisfação das utilidades
necessárias ao bem-estar de todos os indivíduos em iguais condições. Para isso,
conforme já salientado, haveria a necessidade de uma execução complexa, com um
planejamento que envolveria todos os Poderes do Estado e participação da
sociedade civil, o que consistiria não num ato apenas de jurisdição, mas de
soberania, porque o resultado seria uma política pública realizada em conjunto
pelo Estado (por uma atuação conjunta dos três Poderes do Estado, além do
Ministério Público e dos interesses organizados) e não de um abuso do Controle
Jurisdicional das políticas públicas. Essa, porém, é uma questão de lege ferenda, que carece de uma vultosa
reforma institucional.
Por fim,
salienta-se que essa é uma questão que demanda maiores pesquisa, porém, deve-se
ter em questão sempre o escopo dos direitos a serem assegurados e meios de
efetivação que se coadunem a esses objetivos, o que no caso de novos direitos
implica na necessidade de um novo processo[41].
Essa constatação aponta para necessidade de pesquisas mais acuradas sobre o
tema, que, ainda, encontra-se em estágio de maturação teórica.
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[1] Texto Publicado na Revista
de Processo Civil da RT – Sodré, Habacuque Wellington Sodré. As contingências das demandas individuais frente
à questão da universalização dos direitos sociais no contexto da Judicialização
da Política. IN REVISTA DE PROCESSO
(RePro), VOL.200, Ano 36 - outubro 2011, pp. 279-310.
[2] A concepção de ativismo
judicial está ligada historicamente ao movimento do realismo americano, no qual
o juiz aparece como protagonista, devendo observar a sociedade e decidir com
base na política pública (policy) que
mais se adéqüe ao interesse social. Essa posição tentou superar,
historicamente, o conservadorismo que imperava nos juízes americanos, o que de
certa forma impedia determinadas reformas institucionais e a busca por
interesses mais amplos. De certa forma, esse modelo judiciário não via nas
regras o elemento central do direito, nem tampouco a atividade judiciária como
mera subsunção do caso a regras do Statute
Law e dos precedentes da Common Law.
Nesse sentido, pode-se observar tal inferência das palavras Oliver Wendell Holmes:
“as predições do que farão os tribunais
e nada mais pretensioso do que isso são o que eu entendo por direito”. HOLMES, Oliver Wendell. The path of the Law. IN Harvard Law Review. V.10, 1897, p. 461. Outrossim, vide: MUÑOS, Alberto
Alonso. Transformações na teoria geral do
direito: argumentação e interpretação do jusnaturalismo ao pós-positivismo. São
Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 95. BILLER, Jean-Cassien; MARIOLY, Aglaé. História da filosofia do direito. Tradução
Maurício de Andrade. Barueri: Manole, 2005, p. 252. BIX, Brian. Jurisprudence Theory and Context. 3 Ed. Durham,
North Carolina: Carolina Academic Press,
2004, pp. 179-180.
[3] Fala-se em máximo de
efetividade, porque diante da escassez fática de recursos financeiros,
determinados direitos não serão passíveis de serem realizados. Por outro lado,
por exemplo, defensores da tese do mínimo existencial, defenderão que mesmo
ante a escassez fática o Estado estaria obrigado a realizar esse mínimo
protetivo do cidadão, conforme se verá adiante.
[4] A respeito desse ponto,
observa-se que, no âmbito dos países de tradição romano germânica, a partir do
advento das Cortes Constitucionais, principalmente, nos países da Europa
ocidental, com governos social-democratas, esse poder e em alguns países em que
não há Corte Constitucional, o órgão máximo do Poder Judiciário, aparecem como
validadores finais das decisões políticas, conformando as políticas Públicas
sociais ao texto da Constituição. Nesse sentido, faz-se mister observar que
Robert Alexy, no âmbito da doutrina alemã, vendo o Tribunal Constitucional,
como um ator privilegiado, para realização de direitos: “Se se inclui o
Tribunal entre os participantes dessa discussão, pode dizer-se que ocupa uma
posição intermediária no espectro de opiniões que se estende desde uma ampla
rejeição: ‘Os direitos fundamentais não podem ser ambas as coisas [...] direito
a uma ação e sua negação’, até sua aceitação mais ampla: ‘Em uma sociedade industrial sumamente complexa,
os direitos fundamentais são direitos de participação ou não existem’. A
polêmica sobre os direitos a prestações está caracterizada por diferenças da
opinião sobre o caráter e as tarefas do Estado, do direito e da Constituição,
inclusive os direitos fundamentais, como
também sobre a avaliação da situação atual sociedade. Como nela, entre outras
coisas, se trata de problemas de redistribuição, sua ‘explosividade política’ é
óbvia. Em nenhum outro âmbito é tão clara a conexão entre o resultado jurídico
e as valorações gerais práticas ou políticas: em nenhum outro âmbito se discute
tão tenazmente. É sintomático que nessa
situação se fale – com intenção crítica ou positiva – da ‘mudança de
compreensão do direito fundamental’ e se peça ‘desdemonizar, desideologizar e
desemotivizar o conceito de direitos fundamentais sociais”. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centros de Estúdios Políticos
y Constitucionales, 2002, pp. 426-427.
[5] Cf. Roberto BERGALLI,
Roberto. Estado democrático y cuestión
judicial: vias para alcanzar una auténtica y democrática independência judicial. Buenos Aires: Depalma, 1984, pp. 35.
[6] RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010, pp.
116-117.
[7] Para aqueles que pensam ser
possível a apropriação da teoria dworkiana para legitimação de um modelo
ativista, tal pretensão não se faz possível, primeiro, porque o referido autor
americano rejeita a premissa de que os juízes devam julgar com base em políticas
e, além disso, o referido filósofo americano assume uma posição fortemente
liberal, entendendo ser rígido o conceito de separação de poderes, pois, os
juízes não podem criar o direito das partes, mas apenas encontrá-los seja nos legal rights ou nos moral rigthts. A respeito da separação entre direito política,
Dworkin, no plano normativo, vai asseverar que os juízes não devem decidir com
base em políticas públicas, mas com base em princípios, conforme se infere de
sua análise “Na verdade, porém, os juízes não deveriam ser e não são
legisladores delegados, e é enganoso o conhecido pressuposto de que eles estão
legislando quando vão além de decisões
políticas já tomadas por outras pessoas.
Este pressuposto não leva em consideração a importância de uma distinção
fundamental na teoria política que agora introduzirei de modo sumário.
Refiro-me à distinção entre argumentos de princípio, por um lado, e argumentos
de política (policy), por outro. Os
argumentos de política justificam uma decisão que fomenta ou protege algum
objetivo coletivo da comunidade como um todo. O argumento em favor de um
subsídio para indústria aeronáutica que apregoa tal subvenção irá proteger a
defesa nacional, é um agrupamento de política. Os argumentos de princípio
justificam uma decisão política, mostrando que a decisão respeita ou garante um
direito de um indivíduo ou de um grupo. O argumento em favor das leis contra a
discriminação, aquele segundo o qual uma minoria tem direito à igualdade de
consideração e respeito, é um argumento de princípio. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução e notas de Nelson Boeira.
São Paulo: Martins Fontes, 2002, pp. 129-130.
[8] DWORKIN, Ronald. O império do direito. radução de Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 451-452.
[9] Cf. DALLARI, Dalmo de
Abreu. Elementos de teoria do Estado.
27 Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 277.
[10] Nesse sentido, Carlos Ari
Sundfeld define o Estado Social: “O Estado torna-se um
Estado Social, positivamente atuante para ensejar o desenvolvimento (não o mero crescimento, mas a elevação do nível
cultural e a mudança social) e a realização da justiça social (é dizer, a extinção das injustiças na divisão do
produto econômico). Em um primeiro plano, aparecem os chamados direitos sociais, ligados, sobretudo à
condição dos trabalhadores: garante-se o direito ao salário mínimo,
restringe-se – em nome da proteção do economicamente fraco – a liberdade
contratual de empregadores e empregados. De outro lado, o indivíduo exige o
direito de exigir certas prestações positivas do Estado: o direito à educação,
à previdência social, à saúde, ao seguro desemprego e outros mais. Para
incrementar o desenvolvimento econômico, sobretudo nos países subdesenvolvidos,
o Estado passa a atuar como agente
econômico, substituindo os particulares e tomando a si a tarefa de
desenvolver atividades reputadas importantes ao crescimento: surgem as empresas
estatais”. SUNDFELD, Carlos Ari.
Fundamentos de Direito Público. 4ª Ed. 9ª Tiragem. São Paulo: Malheiros, 2008,
p. 55.
[11] Nesse sentido, seriam dois
fatores que ensejariam o ativismo judicial e o protagonismo do juiz, a saber: a
hipertrofia legislativa, isto é, o direito passa a disciplinar todas as esferas
da vida social, principalmente, por meio de uma legislação ambígua e com
conceitos jurídicos indeterminados, por causa da influência dos diversos grupos
de interesses e do lobby na arena
política; e a explosão da litigiosidade, isto é, um aumento desproporcional do
número de demandas referentes aos direitos sociais, especialmente, sobre
políticas públicas. Assim, principalmente, a partir do advento da Constituição
Federal de 1988 e o estabelecimento de poderes de controle e a possibilidade de
apreciação da constitucionalidade não somente das leis, mas dos atos de
governo, implicam no ativismo. Cf. FARIA, José Eduardo (org.). Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça.
4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2005 pp.11-12.
[12] Cf. GRINOVER, Ada
Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. IN: O processo – Estudos e Pareceres. 2ª Ed. São Paulo: Editora DPJ, 2009, p. 39.
[13] “Art. 2º São Poderes da
União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário”.
[14] A respeito da legitimidade
e da própria diferenciação de funções entre política e direito se põem em
xeque, conforme salienta Celso Fernandes Campilongo: “Não é o caso, para
concluir, de se restaurar a antiga distinção entre legislação e jurisdição. Certamente, a
hipertrofia do direito legislado apenas reforça e alimenta as possibilidades do
direito judicial. Também não se trata de negar a expansão global do Poder
Judiciário e suas conotações políticas. O importante é salientar, mais uma
vez que, na sociedade moderna,
democracia é sinônimo de manutenção de elevada complexidade e pressupõe a
diferenciação funcional entre sistema político e sistema jurídico. [...] São
preocupantes, diante da representação para o sistema político, tanto o descaso
de alguns ‘representantes’ no desempenho de suas funções quanto os ataques
indiscriminados ao instituto. Extrapolam, por fim, as instituições estranhas ao
sistema política, especialmente setores da magistratura, que – apesar de
justificável desilusão em face da pobre realidade da representação – avocam a
condição de ‘substitutos funcionais’ de partidos, eleitores e parlamento. Não
há democracia sem escolha, sem manutenção de complexidade e, nesse sentido, sem
‘governo representativo’. Não há garantias à oposição e nem independência da
magistratura sem um sistema jurídica operativamente fechado. O ‘governo dos
juízes’, carentes de verificação histórica, também é incompatível com a
manutenção de uma complexidade elevada”. CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito na sociedade complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 87.
[15] No que tange a taxonomia
das políticas públicas, essas podem ser classificadas de várias formas, uma das
possíveis é aquela proposta por José Reinaldo Lima Lopes que divide o conceito
de policy em políticas sociais,
sociais compensatórias, de fomento, de reformas de base, políticas de
estabilização monetária, nos seguintes termos: “As políticas públicas agrupam-se
também em gêneros diversos: existem (1) as políticas
públicas sociais, de prestação de serviços essenciais e públicos (tais como
saúde, educação, segurança e justiça, etc.), (2) as políticas sociais compensatórias (tais como a previdência
e a assistência social, seguro desemprego, etc.), (3) as políticas de fomento
(créditos, incentivos, preços mínimos, desenvolvimento industrial, tecnológico
e agrícola, etc.), (5) políticas de estabilização monetária, e outras mais
específicas e genéricas”. LOPES, José Reinaldo. Direitos subjetivos e direitos sociais: o dilema do Judiciário no
Estado Social de Direito. IN FARIA, José Eduardo (Org). Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça.
4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 133. Por outro lado, numa visão mais clássica
da Ciência Política Theodore J. Lowi, analisando as políticas públicas como o
elemento que constitui a arena política e atuação dos grupos de interesse,
entende serem três os tipos de políticas públicas possíveis: políticas públicas
distributivas (afeta aos grupos econômicos, como um benefício tributário para
dado setor), políticas públicas regulatórias (que tratam da regulação setorial,
por meio das agências regulatórias que vão estabelecer o marco regulatório para
atuação dos agentes econômicos daquele dado setor) e as políticas públicas
redistributivas (que tratam de benefícios sociais, que podem” ser entendidas
como aquelas que atribuem direitos sociais). Nesse
sentido, observa-se sua classificação, in
fine: “There are three major categories of public in the scheme:
distribution, regulation, and redistribution. [...] Thus, these areas of policy
or government activity constitutive real arenas of Power. Each arena tends to
develop its own characteristic political structure, political process, elites,
and group relations”. LOWI, Theodore J. American
Business, Public Policy, Case-Studies and Political Theory. IN World Politics, n. 16, 1964,
pp. 689-690.
[16] Cf. BUCCI, Maria Paula Dallari. BUCCI, Maria Paula Dallari. As Políticas e o direito administrativo. IN Revista trimestral de direito público.
São Paulo: Malheiros Editores. p. 134-144, 1996, p. 139.
[17] Cf. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução e notas de Nelson Boeira. São
Paulo: Martins Fontes, 2002, pp. 129-130.
[18] Cf. LOPES, José Reinaldo. Direitos subjetivos e direitos sociais: o
dilema do Judiciário no Estado Social de Direito. IN FARIA, José Eduardo
(Org). Direitos Humanos, Direitos Sociais
e Justiça. 4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 134.
[19] A respeito das três
dimensões da política faz-se mister colacionar a sua digressão feita por Klaus
Frey: “De acordo com os mencionados questionamentos da ciência política,
a literatura sobre ‘policy
analysis' diferencia três dimensões da política. Para a
ilustração dessas dimensões tem-se adotado na ciência política o emprego dos
conceitos em inglês de ‘polity'
para − denominar as instituições políticas, ‘politics' para os processos políticos e, por fim, ‘policy’ para os
conteúdos da política: • a dimensão institucional ‘polity' se refere à ordem do sistema político, delineada
pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema
político-administrativo; • no quadro da dimensão
processual ‘politics' tem-se em vista o
processo político, freqüentemente de caráter conflituoso, no que diz respeito à
imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição; • a dimensão material ‘policy'
refere-se aos conteúdos concretos, isto é, à configuração dos programas
políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões
políticas. Essa diferenciação teórica de aspectos peculiares da política
fornece categorias que podem se evidenciar proveitosas na estruturação de
projetos de pesquisa. Todavia, não se deve deixar de reparar que na realidade
política essas dimensões são entrelaçadas e se influenciam mutuamente”. FREY,
Klaus. Políticas públicas: um debate conceitual e
reflexões referentes à prática da análise de políticas públicas no Brasil. IN
Planejamento e Políticas Públicas (IPEA),
Brasília, v. 21, 2000, pp.
216-217.
[20] Segundo Theodore J. Lowi,
em sua perspectiva que as políticas públicas (policies) constituem a política (politics), define as políticas redistributivas e seu campo de
atuação, asseverando que: “(3) Redistributive policies are like regulatory
policies in the sense that relations among broad categories of private
individuals are involved and, hence, individual decisions must be interrelated.
But on all other count there are great differences in
the nature impact. The categories of impact are much broader, approaching
social classes. They are, crudely speaking, have and have-not, bigness and
smallness, bourgeoisies and proletariat. The aim involved is not use of
property but property itself, not equal treatment but equal possession, not
behavior but being. The fact that our income tax is in reality only mildly
redistributive does not alter the fact of the aims and the stakes involved in
income tax policies. The same goes for our various, ‘welfare state’ programs,
which are redistributive only for those who entered retirement or unemployment
rolls without having contributed at all. The nature of a redistributive issue
is not determined by outcome of a battle over how redistributive a policy is
going to be. Expectation about what it can
be, what it threatens to be, are determinative”. LOWI, Theodore J. American Business, Public Policy,
Case-Studies and Political Theory. IN World
Politics, n. 16, 1964, pp. 689-691.
[21] A
esse respeito Fábio Konder Comparato dá o seguinte tratamento à história dos
direitos sociais: “O reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e
social foi o principal benefício que a humanidade reconheceu do movimento
socialista, iniciado na primeira metade do século XIX. O titular desses
direitos, com efeito, não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo
sempre conviveu maravilhosamente. É o conjunto dos grupos sociais esmagados
pela miséria, a doença, a fome e a marginalização. Os socialistas perceberam,
desde logo, que esses flagelos sociais não eram cataclismos da natureza nem
efeito necessários da organização racional das atividades econômicas, mas sim verdadeiros
dejetos do sistema capitalista de produção, cuja lógica consiste em atribuir
aos bens de capital um valor muito superior aos das pessoas. Os direitos
humanos de proteção do trabalhador são, portanto, fundamentalmente,
anticapitalistas e, por isso mesmo, só puderam prosperar a partir do momento
histórico em que os donos do capital foram obrigados a se compor com os
trabalhadores. Não é de admirar, assim, que a transformação radical das
condições de produção no final do século XX, tornando cada vez mais dispensável
a contribuição da força de trabalho e privilegiando o lucro especulativo, tenha
enfraquecido gravemente a esses direitos em quase todo mundo”. COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação
histórica dos direitos humanos. 4 Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 53.
[22] Aqui observa-se a
retratação do momento em que os direitos humanos declarados, passam a ser
positivados nas Constituições dos Estados, o que teoria alemã vai estabelecer a
diferença entre direitos humanos como direitos declarados, mas não positivados,
em face dos direitos fundamentais que são direitos humanos positivados. No que
tange os direitos sociais, observa-se que esses aparecem primeiramente na
Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição alemã de Weimar de 1919. Cf.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 2
reimpressão. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier,
2004, pp.84-85. No Brasil, o reconhecimento de tais direitos veio com a Constituição
de 1934. Cf. LENZA, Pedro. Direito
Constitucional Esquematizado. 13ª
Ed. Rev. Atual. e Ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 757.
[23] O utilitarismo aqui adotado
é aquele utilitarismo de média proposto por John Harsanyi (prêmio Nobel de
Economia de 1994), o qual não busca a distribuição do bem para o maior número
de pessoas, como fazia a teoria clássica do utilitarismo como Bentham e Austin,
mas antes busca pelo ideal de que a média dos bens obtidos pelos indivíduos
seja a mais elevada possível. Nesse sentido, Harsanyi tem como principal ponto
de sua teoria econômica a maximização do nível de vida médio, o que de certa
forma, afasta a concepção de desigualdades. Cf.
John C. Harsanyi. The Problem Solving Ability of the
Rule Utilitarian Approach Should Not Be Underestimated: Comments on Scanlon's
Paper. IN Humanities, Social Sciences and Law.
Volume 11, Number 1 /
January Springer: Netherlands, 1977, p. 435.
[24] A respeito de tal concepção
acerca da prestação dos serviços públicos e do planejamento das políticas públicas
para implementação dessas atividades frente ao orçamento público, Cass Sunstein
e Stephen Holmes. asseveram que os direitos somente podem ser prestados onde
haja orçamento suficiente, pois, “levar
os direitos a sério significa tomar a sério a escassez dos recursos
públicos”. SUNSTEIN, Cass; HOLMES, Stephen. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. New York: Norton, 1999, pp.14-15.
[25] Nesse
sentido, não é possível uma distribuição individual, caso a caso, no sentido de
uma avaliação individual das necessidades de cada sujeito ou ator social,
principalmente, quando se trata de uma política pública universal, sob pena de
haver um descompasso na distribuição, pois corre-se o risco de tirar de uma
gama de sujeitos necessitados (com necessidades específicas em um dada área
social) para se dar a outros (com outras necessidades específicas em uma dada
área social), o que daria margem a maiores frustrações do que, propriamente,
soluções práticas.
O debate, por exemplo, com o liberalismo igualitário de Rawls vai mais na
direção da discussão das preferências dos indivíduos e não da universalização
dos bem-estar. Cf.
John C. Harsanyi. The Problem Solving Ability of the
Rule Utilitarian Approach Should Not Be Underestimated: Comments on Scanlon's
Paper. IN Humanities, Social Sciences and Law.
Volume 11, Number 1 /
January Springer: Netherlands, 1977, p. 436.
[26] Esse, por exemplo, seria um
argumento do liberalismo igualitário de John Rawls, como resposta ao
utilitarismo clássico (especial Jeremy Bentham), em que o bem deveria ser
maximizado para uma maior número de pessoas, o que contrariaria de certa forma
contraria a igualdade, segundo o citado autor. Por seu turno, apesar do atendimento
universal, Rawls descorda de Harsanyi no sentido de que não se poderia atender
a todos igualmente, mas deveria ser maximizada a renda dos mais desprovidos,
para depois maximizar-se a renda classe que vem em segundo lugar quanto à sua
pobreza relativa e assim por diante. Cf. RAWLS, John. Justiça e Democracia. Tradução
de Irene A.
Paternot. São
Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 302.
[27] A respeito dos direitos
sociais, próprios do Estado Keynesiano, Norberto Bobbio, em uma perspectiva
diferente da rational choice, salienta que ocorre uma multiplicação de direitos
e de sujeitos, consoante se infere do seguinte trecho de sua obra: “Essa
multiplicação (ia dizendo “proliferação”) ocorreu de três modos: a) porque
aumentou a quantidade de bens considerados merecedores de tutela; b) porque foi
estendida a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diverso do
homem; c) porque o próprio homem não é mais considerado genérico, ou homem em
abstrato, mas é visto na especificidade ou na concreticidade de suas diversas
maneiras de ser em sociedade, como criança, velho doente, etc. Em substância:
mais bens, mais sujeitos, mais status do
indivíduo. É supérfluo notar que, entre esses três processos, existem relações
de interdependência: o reconhecimento de novos direitos de (onde “de”indica o
sujeito) implica quase sempre o aumento do direito a (onde “a” indica o
objeto). Ainda mais supérfluo é observar, o que importa para nossos fins, que
todas as três causas dessa multiplicação cada vez mais acelerada dos direitos
do homem relevam, de modo cada vez mais evidente e explícito, a necessidade a
fazer referência a um contexto social determinado. [...] Com relação ao segundo
(processo), ocorreu a passagem da consideração do indivíduo humano uti singulus, que foi o primeiro sujeito
ao qual se atribuíram direitos naturais (ou morais) – em outras palavras, da
‘pessoa’ – para sujeitos diferentes do indivíduo, como a família, as minorias
étnicas e religiosas, toda a humanidade em seu conjunto (como no atual debate,
entre filósofos da moral, sobre o direitos dos pósteros à sobrevivência); e
além dos indivíduos humanos considerados singularmente ou nas diversas
comunidades reais ou ideais que os representantes singularmente ou nas diversas
comunidades reais ou ideais que os representam, até mesmo para sujeitos
diferentes do homens, como os animais. Os movimentos ecológicos, está emergindo
quase que um direito da natureza a ser respeitada ou não explorada, onde as
palavras ‘respeito’ e ‘exploração’ são exatamente as mesma usadas
tradicionalmente na definição e justificação dos direitos do homem”. BOBBIO,
Norberto. A era dos direitos. 2 reimpressão. Tradução de Carlos
Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, pp.83-84.
[28] Essa visão, assim como em
Bobbio, aparece na leitura de Fabio Konder Comparato, nos seguintes termos: “O
reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social foi o
principal benefício que a humanidade recolheu do movimento socialista, iniciado
na primeira metade do século XIX. O titular desses direitos, com efeito, não é
o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre conviveu
maravilhosamente. É conjunto dos grupos
sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome e a marginalização. Os
socialistas perceberam, desde logo, que esses flagelos sociais não eram
cataclismos da natureza nem efeitos necessários da organização racional das
atividades econômicas, mas sim verdadeiros dejetos do sistema capitalista de
produção, cuja lógica consiste em atribuir os bens de capital um valor muito
superior ao das pessoas”. COMPARATO, Fabio Konder. . A afirmação histórica dos direitos humanos. 4 Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.53.
[29] A concepção de um interesse
geral parece já foi superada, tendo em vista que os interesses organizados
muitas vezes se opõe na arena política, sendo que uns vão perder e outros vão
ganhar. Nesse sentido, por exemplo, pode-se observar o embate entre movimentos
sociais que buscam políticas mais redistributivas, isto é, mais políticas
públicas sociais com maior implementação de direitos em níveis de efetivação
cada vez maiores e, em contrapartida, os agentes econômicos pleiteando menos
políticas redistributivas, mas mais benefícios econômicos para seu setor
(políticas distributivas). Assim, quem tem mais poder de barganha ou consegue
controlar os mecanismos institucionais de veto (lobby no Congresso nacional ou no Chefe do Executivo, bem como sabe
articular mecanismos judiciais, como no caso dos ações do controle concentrado
de constitucionalidade) tem maiores possibilidades de vencer a disputa
política.
[30] O ativismo judicial é si
não é um meio adequado para implementação de políticas públicas, pois, essas
decisões judiciais estão mais preocupadas com os direitos e não com as
políticas públicas, o que põe em xeque a concepção de controle judicial de
políticas públicas. Tal fato se observa principalmente, quando direitos sociais
que tem seus aspecto material voltado não para os indivíduos, mas para o homem
enquanto pertencentes a um grupo social, conforme constata Luís Virgilio Afonso
da Silva, nos seguintes termos: “A conclusão a que se
pode chegar após essa breve exposição desse estudo de caso, que, ainda que
pontual, reflete bem o enfoque que os juristas dão em geral à justiciabilidade
dos direitos sociais, é que, em primeiro lugar, os juízes, ao tratarem os
problemas dos direitos sociais como se fossem problemas iguais ou semelhantes
àqueles relacionados a direitos individuais, ignoram o caráter coletivo dos
primeiros. Esse caráter coletivo exige, como não poderia deixar de ser, políticas
que são pensadas coletivamente, algo que os juízes não fazem.
Com isso, pretendo sublinhar que a questão discutida neste trabalho
não é uma mera questão de opção entre ativismo ou contenção judicial, embora
ela seja freqüentemente apresentada como se assim o fosse. É certo que os
partidários da idéia de contenção judicial têm que defender que os juízes devem
se manter afastados de decisões relativas a políticas públicas, mas isso não
significa que toda corrente ativista tenha necessariamente que defender o seu
oposto, ou seja, que os juízes devam sempre decidir sobre políticas públicas.
Nesse sentido, é possível defender uma forma de ativismo judicial - ou seja,
defender que os juízes são legítimos para discutir políticas públicas - e,
mesmo assim, sustentar que esse ativismo é limitado por uma série de razões
estruturais.Isso significa que, embora o ativismo judicial seja uma
possibilidade, ele depende de diversas mudanças estruturais na educação
jurídica, na organização dos tribunais e, sobretudo, nos procedimentos
judiciais, para que passe a ser possível tratar os direitos sociais e sobre
eles decidir de forma coletiva”. SILVA, Virgílio Afonso
da. O Judiciário e as políticas públicas: entre transformação social e obstáculo à realização dos
direitos sociais. IN SOUZA
NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direitos sociais: fundamentação,
judicialização e direitos sociais em espécies Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008, pp. 595-596.
[31] Conforme Conrado Hübner
Mendes, que atua por uma lógica não utilitarista, um dos problemas recentes da
teoria jurídica e da dogmática é mitificar a atuação judicial como salvadores
das políticas públicas que não atendem o interesse de certos indivíduos ou de
certas coletividades, mas os interesses majoritários representativos ou, então,
dos interesses organizados, porém, esse constitui um atentado ao ideal
democrático: “A obsessão teórica com Tribunais, somada ao absoluto silêncio em
relação ao legislador, fragiliza o papel que a Constituição pode desempenhar
num sistema político. O legislador não está isento de respeitar os limites
constitucionais, independentes de uma instituição externa que o vigie. E, em
função do desacordo inerente à interpretação constitucional, não me parece
aceitável afirmar que uma instituição
judiciária possua habilidades cognitivas ímpares ou autoridade moral superior
para determinar o conteúdo do texto normativo. A interpretação constitucional
legislativa não é descartável. A teoria constitucional não pode eximir o
legislador de firmar entendimentos consistentes sobre o significado da
Constituição”. MENDES, Conrado Hübner. Controle
de Constitucionalidade e Democracia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p.193.
[32] A respeito desse ponto,
faz-se mister trazer à colação alguns exemplos. Primeiro, no caso de um remédio
pedido judicialmente, apenas para aquele indivíduo autor da ação, quando o
Estado encontra-se obrigado a executar à sentença, ao adquirir no varejo o
custo de transação é muito maior do que se tivesse comprado no atacado, ou
seja, para todos aqueles que estão em iguais condições. Daí, observar-se que
esse tipo de demanda aumenta o custo de transação na realização de prestação de
serviços públicos ou fornecimento de bens, por parte do Estado. Sobre exemplos
dessas ações individuais que aumentam o custo pode-se citar, os seguintes
casos, apenas para exemplificar: TJSP
Apelação Cível nº: 244.478.5/9-00; 197.417.5/0-00; Agravo de Instrumento nº.
313.048-5/4-00; 412.973-5/7-00
[33] Em relação a desigualdade,
além de acessar o judiciário para requerer uma prestação do Estado seja
privilégio de alguns, porque nem todos os cidadão tem as informações que
proporcionam o acesso à justiça, observa-se que o nível de desigualdade, além
do caso dos remédios, já trabalhado na nota anterior, o caso da judicialização
do direito à educação, pois, nas demandas que versam sobre vagas em escola ou
em creche próximas a residência do educando, quando concedidas pelo judiciário
acabam gerando distorções tamanhas que ferem diretamente a isonomia. Isto é,
quando se tem tal tipo de pedido em demanda individual, ocorre o fenômeno do “fura-fila”, ou seja, um educando que
pleiteia uma vaga em uma escola que estava na fila de espera por uma vaga,
talvez, nem entre os primeiros, quando recebe uma decisão judicial favorável
passa na frente dos demais que estavam esperando, porque não tem acesso à
justiça como aquele que obteve o benefício. Além disso, esse tipo de demanda
não é universalizável, tendo em vista que os espaços são limitados, não é
possível garantir vaga para todos os educandos na fila, ou seja, ou se constrói
uma escola nova no bairro e se universaliza o direito, ou se aplica,
individualmente, e se gera desigualdades como essas. Sob esse ponto de vista se
posicionou o Superior Tribunal de Justiça, vide o leading case RESP
503.028-SP. Por outro lado, o Tribunal de Justiça de São Paulo vem dando
provimento a essas “ações fura-filas”
(TJSP Apelação Cível nº. 354.816.5/0)
[34] LOPES, José Reinaldo. Direitos Sociais: teoria e prática. São Paulo: Editora Método, 2006,
p.120.
[35] Segundo LOPES, “Na sociedade de massas e de
classes, porém, a repetição de casos individuais semelhantes indica a
existência de classes, grupos, conjuntos em que a solução de um caso antecipa a
de outros semelhantes. Assim, a adjudicação
em um caso pode ter conseqüências em muitos outros semelhantes, pondo-se
em dúvida se haveria necessidade de um processo judicial completo para o caso, ou se bastaria uma
decisão seguida do reconhecimento dos casos iguais como participantes de uma
mesma classe (o problema da extensão da res
iudicata). [...] Mais do que coletivo, os novos conflitos são
plurilaterais”. Ibid., p. 121.
[36] Cf. SILVA,
Virgílio Afonso da. O Judiciário e as políticas públicas: entre transformação social e
obstáculo à realização dos
direitos sociais. IN SOUZA NETO,
Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direitos sociais: fundamentação, judicialização e direitos sociais em
espécies. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 596.
[37] Cf. GRINOVER, Ada
Pellegrini et.al. Código brasileiro de
defesa do consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9 Ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2007, pp.799-800.
[38] Os juízes, na maioria dos
casos, não estão aptos a trabalhar com a lógica do cálculo de risco, ou seja, o
cálculo de custo e benefício. Segundo, Mancur Olson, o cálculo deve ter três
partes as quais comportam uma análise acurada daquele que detém o poder de
decidir por uma coletividade: Fator 1: Que benefício
decorrerá da provisão do bem coletivo?
Fator 2: Qual é o custo do fornecimento do bem coletivo? Fator 3: Que quantidade do bem coletivo já
foi provida?
Cf. A lógica
da Ação Coletiva: Os Benefícios Públicos e uma Teoria dos Grupos Sociais. São Paulo: EDUSP, 2001, p. 34. Aqui surge a contingência e angústia, os
juízes tem tomado uma decisão racional quando decidem os casos cujo objeto é
uma demanda por medicamentos? Essas decisões parecem muito mais passionais do
que racionais.
[39] A farra da intervenção
consiste no ato de que as demandas individuais geram impacto negativo nas
políticas públicas. Além disso, essa farra se dá quando, em alguns casos, o
Poder Judiciário passa a ter uma atividade paternalista, como ocorre atualmente
nos caso em que se pedem banalidades e os juízes concedem onerando
desnecessariamente o orçamento público.
[40] A extensão dos efeitos da
decisão judicial aquele que demandou em juízo, a todos que estiverem nas mesmas
condições. Isso porque os direitos sociais implicariam num dever de ação
coletiva do Estado e não em ação individual. E essa transição necessária de um
sistema de demandas individuais para demandas de caráter normativo é o passo
final para materialização do Estado Social.
[41] Os direitos sociais estão
presentes nas ordens jurídicas a quase um século, porém, ainda não se
desenvolveu um processo judicial adequado a seu escopo político-institucional.
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