quinta-feira, 11 de julho de 2013

Políticas Públicas, Ativismo Judicial e Direitos Sociais

Sodré, Habacuque Wellington Sodré. As contingências das demandas individuais frente à questão da universalização dos direitos sociais no contexto da Judicialização da PolíticaIN REVISTA DE PROCESSO (RePro), VOL.200, Ano 36 - outubro 2011, pp. 279-310.



AS CONTINGÊNCIAS DAS DEMANDAS INDIVIDUAIS FRENTE À QUESTÃO DA UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS NO CONTEXTO DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA.
HABACUQUE WELLINGTON SODRÉ[1]
Resumo: A presente análise tem como escopo analisar a questão se, no contexto da judicialização da política, as demandas individuais constituem ou não um atentando ao postulado de universalização dos direitos sociais. Para isso,  utilizar-se-á uma metodologia dicotômica, a saber: revisão da literatura a respeito da judicialização das políticas públicas e do conceito de políticas públicas sociais e seu caráter universal e pesquisa jurisprudencial. Quanto aos resultados, aponta-se que as demandas individuais constituem mecanismos hábeis para implementação de direitos e não de políticas públicas, pois, essas tem como primado a universalização (todos que estiverem em iguais condições devem obter o mesmo benefício – casos iguais – decisões iguais), o que aponta para necessidade de mecanismos que tornem as decisões judiciais, que versem sobre direitos sociais, universais no espectro jurisdicional. Por fim, serão verificadas as implicações  do tema.
Palavras-chaves: Direitos Sociais; Universalização; Demandas Coletivas; Sujeitos de Direito; Demandas Individuais; Custos dos Direitos; Custos de Transação; Orçamento.

Résumé: Cet  article vise à analyser la actuelle façon du Procédure Civile brésilien face au problème de l’universalisation des droits sociaux par le moyen du contrôle juridictionnel des politiques publiques, en particulier dans las demandes individuelles dont l’objet du litige est la tutelle juridique des droits fondamentaux de prestation.  Pour tenter de cerner les enjeux et les débats que soulève, on utilisera une approche dichotomique, à savoir: 1) une revue de la littérature du Procédure Civile et la Juridiction Constitutionnelle dans l’aspect adjective, et des Droits Sociaux et las Politiques Publiques dans l’aspect substantive; 2) une recherche de la jurisprudence relative à l'octroi d'une tutelle juridictionnelle dans las demandes dont les revendications sont versement des droits sociaux de prestation. Les résultats montrent que, au Brésil, le Contrôle Judiciaire des politiques publiques est accompli autant des actions individuelles que des actions de nature collective, cependant il y a une plus grande manipulation des mécanismes procéduraux d'un caractère libéral ou individuelle que ceux de nature collective, cette manipulation ne convient pas toujours la revendication de l’universalisation des droits sociaux, ce qui démontre la nécessité de créer une procédure civile spécifique à ce type de droit avec des instruments capables de étendre la cognition et l'octroi d'une tutelle  juridictionnelle effective. Enfin, les conséquences seront vérifiées sur le sujet.

Mots-clés: Droit Procédure Civile; Droits Sociaux; Actions individuelles; Actions collectives; Le Contrôle Juridictionnel de la Politique Publique.


SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da judicialização da política. 3. Das políticas públicas sociais e seu caráter universal: uma questão se saber quem são os sujeitos dos direitos sociais. 4. Do  problema das demandas individuais frente ao postulado da universalização dos direitos sociais. 5. Da construção de lege ferenda de um mecanismo que possibilite as demandas individuais minorarem os custos de transação e da violação da universalização das políticas públicas sociais. 6. Considerações. 7. Bibliografia.





1. Introdução.


A presente análise tem como objeto analisar à questão se as demandas individuais constituem ou não um atentado a universalização dos direitos sociais. Tal exposição será trabalhada, a partir do contexto do ativismo judiciário ou da judicialização da política, tomando-se uma posição utilitarista na análise das policies.
Para o desenvolvimento dessa perquirição far-se-á uma revisão da literatura tanto sociológica, jurídica, política e econômica a respeito do controle de políticas públicas sociais, por meio de decisões do Poder Judiciário. Além disso, observar-se-á alguns julgados atinentes às políticas judicializadas, especialmente, o caso da saúde, no que tange ao fornecimento de remédios.
Assim, a presente pesquisa possui quatro seções. Numa primeira parte, discutir-se-á o contexto da judicialização da política, ou seja, como se opera o ativismo judicial, pontos positivos e negativos. Na segunda parte, discutir-se-á as políticas públicas sociais, a partir de seu conceito e a sua natureza universal, perquirindo-se quem seriam, em última análise, os sujeitos dos direitos sociais, os indivíduos ou os grupos. Na terceira seção, será verificado o pano de fundo, no qual buscar-se-á verificar quais os problemas que as demandas individuais ensejam ao postulado da universalização dos direitos sociais, principalmente, frente ao orçamento.
Por fim, tentar-se-á propor questões de lege ferenda, como, por exemplo, mecanismos que gerem a possibilidade de uma minoração dos custos de transação, frente a compra, aquisição e prestação de serviços por parte do Estado aos administrados, especialmente, quando condenado a uma obrigação de fazer ou de dar referente a uma política pública.
Nesse sentido, observa-se que como ferramental teórico, utilizar-se-á a teoria dos custos do direito e a perspectiva utilitarista de bem-estar,  ambas para construção do conceito de políticas públicas e do impacto das decisões judiciais no sistema político.
Portanto, ao final serão observadas as implicações do tema, discutindo-se o aspecto epistemológico e pragmático do tema, a partir das digressões das seções acima descritas.


2. Da Judicialização da Política.


Inicialmente, faz-se mister observar o contexto em que se insere a problemática das demandas individuais frente a necessidade de universalização dos direitos sociais. Para isso, faz-se imperioso responder a seguinte indagação: o que seria a judicialização da política ou ativismo judicial? Qual a sua origem?
O ativismo judiciário[2] está atrelado a uma concepção na qual o Poder Judiciário assume o papel de fiscalização, desde que provocado, no controle de constitucionalidade, seja no âmbito concentrado, seja na esfera difusa, para analisar e conformar as políticas públicas ao texto da Constituição Federal, buscando-se com isso a efetividade dos direitos declarados. Essa posição, assevera que o texto constitucional não pode ser visto como uma declaração de boas intenções, mas deve buscar o máximo[3] de efetividade[4] possível dos direitos insertos na Carta Política.
Nesse sentido, principalmente, a partir do controle de constitucionalidade e da possibilidade do controle judicial das políticas públicas, têm-se discutido o poder político dos juízes, inclusive, colocando-se a preocupação a respeito do chamado “governo dos juízes”[5]. Seguindo essa linha, o ativismo apareceria como uma ação interventiva dos juízes no plano da política e nas políticas públicas.
Na direção de uma crítica ao ativismo judicial, Elival da Silva Ramos[6] propõe um conceito de ativismo judicial como desrespeito a separação dos poderes e uma intervenção judicial na política, afrontando à democracia diretamente, consoante se infere de sua análise, in verbis:
“Ao fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é a ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e, até mesmo, da função do governo. Não se trata do exercício desabrido da legiferação (ou de outra função não jurisdicional) que, aliás, em circunstâncias bem delimitadas, pode vir a ser deferido pela própria Constituição aos órgãos superiores do aparelho judiciário, e sim da descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com a incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros poderes”.
A partir dessa perspectiva, observa-se que a crítica se dirige no sentido (normativo) de impedir que os juízes controlem as policies. Assim, na mesma direção da crítica do ativismo judicial como uma atuação negativa e antidemocrática, o liberal Ronald Dworkin assevera ser esse um equívoco de atuação indo em sentido contrário a moralidade política, na medida em que esse movimento pressupõe discricionariedade judicial e desapego a separação dos poderes, além de afirmar no aspecto normativo de sua teoria que os juízes devem decidir com base em argumentos de princípio e não em argumentos de política[7]. A respeito de sua crítica ao ativismo judicial, essa se direciona à teoria pragmática (realista norte-americana), consoante se depreende dos seguintes termos:
“O ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurídico. Um juiz ativista ignora o texto da Constituição, a histórica de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as duradoras tradições de nossa cultura política. O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado o seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige”[8].
Portanto, observa-se que não é possível a apropriação da teoria dos princípios de Ronald Dworkin para construção de uma teoria ativista dos direitos fundamentais, pois, seu objetivo  é  construir uma teoria liberal do direito, cujo embasamento é uma teoria política liberal. Essa teoria liberal objetiva um enfraquecimento do Estado e a restrição de sua ação na esfera das liberdades individuais. Esse modelo está muito mais preocupado em proteger o indivíduo da ingerência do Estado, mas olvida de observar as transformações sociais e as necessidades de garantir os direitos declarados, principalmente, no que tange a direitos sociais[9].
Por sua vez, essas teorias que criticam o ativismo judicial estão estritamente ligados a uma posição liberal do direito, o que não se compatibiliza com a transformação do Estado de um estágio de absteísmo para um Estado intervencionista ou Estado Social[10]. No plano do Estado Social, observa-se que surge o dever ao Estado de intervir na economia e prestar, por meio serviços públicos, o atendimento as necessidades sociais proporcionam satisfação de utilidades básicas para vida do cidadão.
Daí a necessidade de um planejamento e da construção de políticas públicas que venham atender a necessidade dos administrados, o que nem sempre acontece e acaba engendrando condições para que o ativismo ou protagonismo do Poder Judiciário se estabeleça, principalmente, em países periféricos, onde o Estado, por vezes, queda-se inerte frente a realização dos direitos declarados, o que acaba resultando numa explosão da litigiosidade[11]
Assim, como o texto da Constituição Federal prescreve como dever do Estado a tomada de medidas e o estabelecimentos de políticas públicas que materializem os direitos fundamentais sociais, outrossim, estabelece os meios de ação, para garantir a sua implementação, especialmente, por meio de decisões judiciais, com destaque àquelas que têm como escopo controlar à constitucionalidade dos atos políticos. Nesse sentido, pode-se observar, que tais elementos apontam para um cenário que, impreterivelmente, desencadeou o ativismo judicial, principalmente, pela passividade do Estado no estabelecimento de políticas públicas que atendam as necessidades sociais dos administrados.
Destarte, sem a manifestação judicial na procura da efetivação judicial, os direitos fundamentais sociais ficariam sem a operacionalidade pretendida pela soberania popular, bem como pela teoria  do Constitucionalismo.
Segundo Ada Pellegrini Grinover[12], o controle da constitucionalidade das políticas públicas pelo Poder Judiciário, ou seja, o ativismo judicial aparece como um mecanismo que busca garantir a efetivação não apenas dos direitos declarados, mas a adequação dos atos do poder público e das políticas públicas aos fins do Estado prescritos no artigo 3º da Constituição Federal.
Nesse diapasão, infere-se que o controle jurisdicional de políticas públicas constitui um mecanismo adequado, para que se evite que ações de governamentais afrontem a soberania popular, ou seja, ao Estado implica o dever de sanar e satisfazer as necessidades sociais latentes no seio da sociedade, por meio de políticas públicas adequadas.
Porém, salienta-se que o abuso do poder político do Poder Judiciário pode desembocar em uma discricionariedade judicial, bem como uma tentativa de usurpação da função típica dos outros poderes do Estado. Nesse plano, então, observa-se que o problema reside, especialmente, no abuso do poder político dos juízes, pois, apenas esse abuso é o que constitui uma violação direta ao princípio da separação dos poderes do Estado, principalmente, no caso brasileiro, onde há previsão expressa no art. 2º da Constituição Federal de 1988[13].
Portanto, observa-se que o ativismo judicial ou a judicialização da política constitui um movimento, em um dado momento histórico, mas que no Brasil ganhou força a partir do final da década de 1980 e gradualmente foi crescendo até dias hodiernos, tendo como  finalidade à satisfação das necessidades sociais, por meio da efetivação dos direitos declarados e do controle judicial da constitucionalidade das políticas públicas. Contudo, faz-se imperioso salientar que o abuso do poder pode, inclusive, gerar uma violação grave à separação dos poderes, principalmente, quando esses órgão julgadores usam da discricionariedade judicial para decidirem os casos concretos individuais, o que implica numa distorção do sentido do ativismo judicial.
Em síntese, as condições e mecanismos prescritos na Constituição Federal imputaram poderes políticos ao Poder Judiciário como guarda dos direitos fundamentais declarados. Entretanto, faz-se imperioso evitar o abuso do poder, sob pena de violação a forma democrática de governo prescrita na Carta Política. As contingências, contudo, no plano empírico revelam a existência desse abuso, o que põe em xeque as pretensões de garantia da Constituição Federal, ficando pouco nítido a distinção entre sistema político e sistema jurídico[14].


3. Das políticas públicas sociais e seu caráter universal: uma questão se saber quem são os sujeitos dos direitos sociais.


Assim, observado o pano de fundo em que está posta a questão se as demandas individuais impedem a universalização dos direitos, faz-se mister observar qual o conceito de política pública social ou redistributiva, para o fim de entender quem são os sujeitos dos direitos sociais.
Nesse sentido, faz-se necessário analisar esse o conceito de políticas públicas[15], principalmente, na sua categoria social, porque é por meio das policies que o Estado planeja e implementa os direitos sociais prescritos nos diplomas jurídicos e políticos, como, por exemplo, no caso de uma Constituição escrita que declara direitos sociais, como ocorre no sistema jurídico brasileiro.
A respeito do conceito de políticas públicas, infere-se da literatura pertinente que esse  não é unânime na teoria política, mas para fins metodológicos, pode-se asseverar que uma definição jurídica de políticas públicas é aquela que vê tais manifestações do Estado Social Keynesiano como programas de ação governamental que não se exprimem necessariamente, no instrumento jurídico do plano[16].
Por sua vez, Ronald Dworkin[17], quando faz a distinção entre argumentos de princípios e argumentos de política, define o sistema que se baseia nos argumentos da política como sendo aquele se justifica uma decisão com base em um objetivo geral da comunidade, ou seja, a partir do conceito de bem-estar não de um indivíduo, mas da comunidade como um todo.
Segundo José Reinaldo Lima Lopes[18], as políticas públicas, do ponto de vista jurídico, são um conjunto heterogêneo de medidas, que envolvem leis programáticas, portanto, orçamento de despesas e receitas.
Entretanto, tais conceitos parecem rasos de mais para abarcar o que venha a ser políticas públicas. Assim, tomando por base a teoria das policies analysis, Klaus Frey[19], vai distinguir três dimensões da política, na qual as policies ou políticas públicas aparecem como o conteúdo concreto da atuação política, ou seja, a configuração dos programas políticos aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas.
Destarte, pode-se partir do conceito de políticas públicas, como sendo um conjunto de medidas institucionais que constituem programas de ações para implementação de certas finalidades ou objetivos, embasadas num cálculo de custo e benefício da intervenção do Estado e do risco das estratégias adotadas em face do orçamento, sendo performativa  da atuação grupos de interesse da sociedade, bem propicia aos interesses organizados a oportunidade de influenciarem a atuação da arena política por meio do estabelecimento da agenda e, em última análise, das próprias policies numa lógica de circularidade. Assim, observa-se que tanto as políticas públicas constituem à arena política e atuação dos grupos de interesse, como também a arena política e a influência dos grupos de interesse nesse cenário, conjuntamente, constituem as políticas públicas.
Dito isso, importante analisar as políticas públicas sociais que constituem o mote da presente pesquisa, na medida em que a judicialização da política atua, outrossim, nas diversas áreas das policies, porém, é no plano das políticas sociais que vem se destacando a intervenção judiciária.
A respeito desse ponto, pode-se asseverar que as políticas públicas sociais têm como característica primária serem redistributivas[20], no sentido da ciência política, ou seja, visam distribuir bens e serviços de forma universal aos administrados, visando com isso a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Do ponto de vista jurídico, essas forma de política pública se presta a realização dos direitos sociais[21], os denominados direitos de segunda geração, os quais abarcam uma atuação positiva ou prestacional do Estado frente aos sujeitos de direito.
Nesse sentido, na passagem do Estado Liberal para o Estado Social de Direito, o ente público encontra-se obrigado, por força da Constituição num processo histórico de lutas[22], a não apenas respeitar a liberdade do cidadão, por meio de uma conduta negativa ou de uma posição de absteísmo estatal, mas, ao contrário, implica uma atuação concreta a fim de garantir aos cidadãos, um mínimo de dignidade, por meio do oferecimento de bens e serviços postos à disposição da população como é o caso da saúde, da educação, da assistência social, da previdência social e etc.
A partir daí surgem as seguintes aporias: como deveria o Estado levando em conta as receitas públicas adotar medidas que assegurassem a efetividade dos direitos sociais? Como deveriam ser adotadas essas medidas? E quem são os destinatários dos direitos sociais?
Nesse sentido, tentar-se-á analisar essas questões sob um enfoque utilitarista[23], apesar, de por vezes, trazer-se argumentos de liberalismo igualitário que se coadunam de certa forma com as premissas utilitárias, em certo sentido.
Em primeiro lugar, quanto à questão de como deveriam ser adotadas às políticas públicas sociais visando garantir a efetividade dos direitos sociais, observa-se que, para isso, o Estado deveria ter em conta as receitas e as despesas, bem como escolher as prioridades na realização dos direitos, tendo em vista que os recursos são escassos e que é preciso levar essa premissa a sério[24].
Desse modo, um mecanismo para se realizar os direitos sociais é adotar uma política pública universal, para que com isso o custo de transação possa ser menor, ou seja, realiza-se a redistribuição de bens e serviços socialmente de modo igual, com igual acesso a esses serviços, buscando-se com isso a melhoria da qualidade de vida dos administrados. A redução do custo encontra-se, justamente, na previsão de uma política geral que abarque todos os indivíduos, seja na aquisição de bens, seja prestação de serviços, sendo que o cálculo do custo será menor se adquiridos os bens ou serviços em grandes quantidades (lotes, ou seja, no atacado), ao invés de se adquirir de acordo com a solicitação de cada indivíduo (varejo).
Observa-se, assim, que a característica da universalidade de abarcar todos os indivíduos que estejam em igual situação constitui o primado de qualquer política pública, especialmente, na sua forma social, pois, bastaria o preenchimento dos requisitos legais para obtenção do benefício, pelo menos em tese. Por isso, não é possível a implementação de um direito de um cidadão em face de uma política pública[25] e o não atendimento aos demais em igual situação, sob pena de estar-se cerceando o acesso aos benefícios institucionais prescritos na Constituição e violando-se a igualdade de oportunidade e de acesso[26].
Ante esses pontos, a resposta a primeira questão seria à adoção de políticas públicas sociais universais, isto é, há a necessidade de uma implementação dos direitos sociais que abranjam todos os sujeitos em iguais condições.
Como decorrência da primeira proposta, em sentido normativo, a segunda resposta implica na realização e na colocação à disposição dos cidadãos serviços públicos eficientes e qualitativamente adequados às satisfação das necessidades sociais, de modo que sejam realizadas as expectativas dos administrados frente as utilidades básicas para a vida em sociedade, o que, em outras palavras significa que as políticas públicas devem ser tomadas buscando aumentar o nível de vida médio dos sujeitos de direito, ampliando, gradualmente, a qualidade de vida e satisfação dos usuários dos serviços e bens públicos.
Por fim, a última questão a respeito das políticas públicas sociais como implementação dos direitos sociais, questiona quem seriam os destinatários dos direitos sociais. Essas resposta é dada pela própria teoria dos direitos humanos, a saber: o destinatário dos direitos sociais é o ser humano concreto[27], ou seja, todos aqueles que estiverem iguais condições são vistos como destinatários desses direitos (formando um grupo generalizado de indivíduos em iguais condições)[28], como no caso das crianças, dos idosos, dos doentes, dos deficientes, dos trabalhadores, das mulheres e dos homens.
Nesse diapasão, verifica-se que como o ser humano concreto se encontra no grupo social passa a ser destinatário dos direitos sociais e faz jus a implementação de uma política pública eficiente e eficaz, isto é, todos que precisam de um determinado medicamento devem recebê-lo se esse for prescrito por um profissional da área de saúde (o médico), as crianças de um mesmo bairro que precisam de creche ou vagas na escola devem ter direito às vagas sob pena de não realização do direito social, ou, então, o atendimento apenas um indivíduo, em detrimento dos demais, engendraria apenas mais desigualdades sociais, do que propriamente igualdade, a qual configura o valor central dos direitos de segunda geração. 
Portanto, observa-se que as características centrais das políticas públicas sociais são: 1) análise dos custos e dos benefícios dos meios de efetivação dos direitos sociais, ou seja, dos mecanismos de intervenção do Estado; 2) a universalização dos benefícios concedidos, isto é, os indivíduos em iguais condições fazem jus a igual benefício, o que configura o ideal de justiça distributiva, implicando na atuação do Estado frente a globalidade daqueles que preenchem os requisitos previstos em lei e na regulação da política pública; 3) Os custos devem ser suportado por toda sociedade; 4) Implicam numa atuação ou prestação por parte do Estado, por meio da colocação de serviços públicos eficientes à disposição dos administrados; e, por fim, 5) os direitos sociais têm como destinatários o ser humano em sentido concreto, do que resulta que o ser humano só sujeito enquanto parte de um grupo, a saber, como doente, criança, idoso, trabalhador, adulto, homem, mulher, pobre, rico, buscando-se com isso garantir o ideal de igualdade substancial e não apenas a igualdade formal presente nas declarações de direitos oitocentistas.
Em síntese, observa-se que as políticas públicas são programas de ações, enquanto instrumentos de efetivação de direitos, ensejando a combinação do cálculo de custo e benefício na relação entre despesas e receitas, visando distribuir, regular e redistribuir benefícios. As políticas públicas sociais tem como escopo redistribuir bens buscando assegurar a minoração das desigualdades, bem como o aumento do padrão de vida médio, tendo em vista que não é possível a elevação do bem-estar do cidadão aos padrões de máxima satisfação, porque o Estado não tem condições fáticas de fazê-lo, tendo em vista a necessidade de se levar a escassez a sério.
Por esse motivo, quando as políticas públicas sociais são formuladas na arena política, como o processo é contingente, ou seja, sempre poderia ser diferente por causa das influência dos interesses organizados, acaba-se, por vezes, não se formulando uma política que atenda aos interesses sociais, mas, na maior das vezes, políticas que atendam a interesses econômicos setoriais[29].


4. Do  problema das demandas individuais frente ao postulado da universalização dos direitos sociais.


Isto posto, importante analisar a questão de como as políticas públicas sociais nem sempre são efetivadas, o que de certa forma, engendra a realidade do ativismo judicial e da judicialização da política, ou seja, a questão da efetividade, pela via judicial, dos direitos sociais[30].
Para efeitos utilitaristas e políticos, o locus decisório para discussão das políticas públicas não seria o Poder Judiciário, tendo em vista que não é possível a observação das preferências dos cidadãos como um todo, como por exemplo, acontece com o Congresso, onde, por meio da legitimação plebiscitária, os interesses organizados (agentes econômicos e movimentos sociais) debatem para fixação das prioridades e dos meio de implementá-las[31].
Contudo, como nem sempre é possível que a democracia se mantenha nesse padrão, apesar, do desacordo político entre realização de direito e do suposto controle judicial de políticas públicas, faz-se mister analisar se realmente, no âmbito do Judiciário, ocorre esse controle das políticas públicas, o que implicaria numa alteração das políticas públicas para atingir globalmente os indivíduos que estão em iguais condições ou, então, o que se faz apenas é garantir direitos individuais, o que não significa controle de políticas públicas.
Nessa senda, observados os pressupostos já analisados nesse trabalho em relação às políticas públicas sociais, faz-se mister responder a seguinte questão: as demandas individuais consistiriam ou não um atentado ao postulado da universalização dos direitos sociais?
A primeira vista, antes de responder à questão faz-se mister observar as potencialidades positivas e negativas das demandas individuais. No que tange às potencialidades positivas, assevera-se que esse tipo de ação é benéfica, porque, em primeiro lugar, garante direitos consagrados na Constituição e, em segundo lugar, implica num mecanismo que se repetido muitas vezes pode influenciar na formulação de uma política pública pelo impacto orçamentário que cada demanda individual possui para garantir  as expectativas normativas dos autores dessas demandas. Por outro lado, as potencialidades negativas, outrossim, existem, na medida em que se verifica que uma demanda puramente individual, em dois momentos, viola o escopo do Estado Social, tanto onerando excessivamente o orçamento, como também obstaculizando o sentido universal e coletivo dos direitos sociais.
Primeiramente,  as demandas individuais oneram o orçamento público com sua repetição, pois, com esse tipo de demanda o custo orçamentário tende a crescer, ou seja, a aquisição de um bem ou fornecimento de um serviço para um indivíduo tem um custo de transação maior do que aquele adquirido para toda coletividade[32]. Outrossim, as demandas individuais, ao proporcionarem resultados individuais, geram distorções no núcleo teórico dos direitos sociais, isto é, afetam a igualdade[33] e a universalidade (direitos iguais para aqueles que estão em iguais condições), pois, garantem apenas o direito ao indivíduo, que consoante se observou do item anterior, é sujeito apenas reflexamente dos direitos sociais, deixando-se de lado, com isso, a igualdade material, bem como passa-se a dar a um direito social tratamento semelhante aos direitos de ordem liberal, como aqueles de primeira geração. 
No que tange a diferença entre políticas públicas e o exercício de direitos de forma liberal, José Reinaldo Lima Lopes[34] salienta que o modo de adjudicação de políticas públicas se difere daquele do processo civil liberal, consoante se infere de sua explicação sobre o tema:
“Em segundo lugar há os conflitos chamados coletivos, divididos em duas categorias. Uns mostram grupos organizados que reivindicam benefícios sociais ou individuais coletivamente fruíveis (saúde, moradia, educação, transporte, etc.). Nesses casos, a solução natural não é o ato de adjudicação (típico do Judiciário), mas uma política pública. Trata-se de uma solução que requer não apenas um reconhecimento de um direito subjetivo e de um dar/entregar ou obrigar a dar/entregar alguma coisa ou alguma quantia de dinheiro, mas um fazer ou prover um serviço público (contínuo, ininterrupto, impessoal etc.). Serviços públicos exigem meios: receita para seu custeio, pessoal e material para sua execução, poder ou competência para sua efetividade (desapropriação, policiamento, fiscalização, regulação administrativa, remoções, etc.). Tais conflitos encontram no Judiciário um canal para visibilidade, para se criarem impasses que obriguem a negociações: evitarem que demandas básicas levassem a revoltas populares contínuas”.
Dessarte, as políticas públicas não podem ser tomadas isoladamente, por isso, faz-se mister observar que essas devem ser apreciadas em seu conjunto, porque a redistribuição do bem-estar social, outrossim, é e deve ser universal, sendo feita por área social: Saúde, Educação, Moradia, Lazer, Cultura, Previdência Social, Assistência Social e outros interesses difusos. E nessas áreas, observa-se, posteriormente, uma nova divisão dos recurso em rubricas específicas. Assim, a majoração orçamentária em uma área social implica na diminuição em outra, tendo em vista que as fontes dos recursos não são ilimitados.
Mutatis Mutantes, a majoração que uma política pública pleiteada em uma demanda individual[35] engendra, muitas vezes, por falta de análise global das distribuição dos recursos, uma minoração de recursos para outras áreas, ou seja, o reflexo de uma demanda individual provoca uma minoração no atendimento de uma política universal. Logo, há necessidade de serem criados mecanismos que visem tornar coletivos seus reflexos, mas coletivo no sentido de ser possível avaliar e calcular o impacto da decisão judicial em outras políticas públicas universais, sejam ou não daquela área, e, ato contínuo, o julgador deverá realizar o sopesamento  entre o atendimento de uma universalidade de sujeitos com prioridades mais genéricas ou sujeitos com prioridades mais específicas.
Assim, verifica-se que a natureza dos conflitos sobre políticas públicas é coletiva, o que resulta no dever da superação do modelo de adjudicação típico do processo civil liberal de ações individuais. Isso se dá porque, conforme já salientado no item anterior, os sujeitos dos direitos sociais são os grupos, as coletividades, o ser humano enquanto parte de um grupo em sentido lato, ou seja, enquanto doente, mulher, criança, idoso, trabalhador, pobre (carente da assistência social), aposentado. Olvidar desses detalhes consiste em não entender e não efetivar o escopo dos direitos sociais (que não são um rol de direitos individuais, mas um rol de direitos de grupo ou classe), a saber, a igualdade material que significa: tratar universalmente iguais todos os que estiverem em iguais condições ou que preencham os requisitos para obtenção do benefício.
A respeito de tal concepção, faz-se mister observar que os teóricos dos direitos fundamentais e dos direitos humanos já entendiam esse fato, que os direitos sociais são direitos coletivos em sentido lato, pois, se tomados individualmente, em demandas de tipo liberal, jamais obterão a efetividade desejada, ou seja, não estar-se-á tratando ou analisando uma políticas pública, mas sim meros direitos individuais[36].
Portanto, observa-se que as demandas individuais puras, apesar de algumas vezes produzirem efeitos positivos, constituem uma atentado ao postulado da universalização de direitos sociais por meio de políticas públicas universais, na medida em que aumentam o custo da decisão e da execução, bem como realizam direitos sociais de forma liberal, o que é contrário ao escopo desse direitos,  importando na violação da igualdade material em sentido universal, ou seja, direitos de natureza coletiva lato sensu não podem ser exercidos individualmente sob pena de não se dar os mesmos benefícios a quem está em igual situação,  o que, infelizmente, vem acontecendo na prática.
A única forma de ação individual que não atenta contra o postulado da universalização dos direitos sociais é aquela cujos efeitos são coletivos[37]. Como exemplos, cita-se o caso de uma demanda que pede a inclusão de um remédio na lista do SUS, ou o caso da adaptação de um escola às necessidade dos deficientes físicos. Contudo, observa-se que o espectro desse tipo de ação, ainda, é muito limitado no ordenamento jurídico brasileiro.
Em suma, as distorções presentes no sistema jurídico brasileiro aparecem na medida em que o processo civil brasileiro ainda possui contornos liberais que não se coadunam as expectativas normativas coletivas, as quais estão na base dos direitos sociais. Entretanto,  tais prejuízos ( aumento dos custos judiciais decisórios e dos custos da execução) não se verificam naqueles casos em que as ações individuais tem efeito coletivo, o que constitui exceção no sistema jurídico brasileiro. Assim, as características básicas de um processo judicial adequado à análise das políticas pública seria sempre aquele em que ocorresse a coletivização do resultado de qualquer demanda, individual ou coletiva, cujo pleito fosse um direito social, isto é, onde pudessem ser estendidos os efeitos da decisão judicial, que versasse sobre direitos de segunda geração, a todos os sujeitos de direito em iguais condições, o que, por ora, ainda não é possível de ser feito na via individual, mas apenas na via coletiva. Na via individual, a questão é de lege ferenda, o que implica na necessidade de alteração no arranjo institucional processual, conforme propõe-se no item seguinte.


5. Da construção de lege ferenda de um mecanismo que possibilite as demandas individuais minorarem os custos de transação e da violação da universalização das políticas públicas sociais.


Consoante já exposto durante toda a presente análise, as mazelas acerca da escassez fática levam a necessidade de ser desenvolvido um arranjo institucional que lide com as demandas referente às políticas públicas apenas em caráter  coletivo, pois, as demandas individuais sobre políticas públicas deveriam ter efeito coletivo ou universal, porque somente, desse modo, seria possível um controle empírico dos impactos das decisões judiciais no sistema político, principalmente, no orçamento e, por conseguinte, em outras políticas públicas.
Além disso, tomando-se as premissa de todo o presente expediente, observa-se a necessidade de mecanismos de tutelas coletivas que atendam a esses interesses, mas que, outrossim, proporcionem a concretização do escopo dos direitos sociais, a saber, a universalização dos benefícios (a todos aqueles que estiverem em iguais condições deve-se  conceder os mesmos benefícios).
Nessa senda, considerando que o local apropriado para das políticas públicas não é o Poder Judiciário, por falta de legitimidade plebiscitária, por não ser um poder historicamente majoritário, mas o Poder Legislativo como locus apropriado para deliberação e o Poder Executivo como locus da execução dessas políticas, verifica-se que, hodiernamente, esses Poderes do Estado acabam não realizando suas funções, seja com a omissão do Executivo na implementação das policies ou, então, seja com omissão do Legislativo na formulação de políticas públicas,  seja por meio da hipertrofia legislativa, porém, com conteúdos, cada vez mais indeterminados.
Tais fatores, implicam na necessidade de uma atuação mais ativa do Poder Judiciário, o que nem sempre se coaduna com a democracia, mas que torna-se necessária sob pena de falta de efetividade dos direitos prescritos no texto da Constituição Federal, o que ocorre, especialmente, na esfera dos direitos sociais.
Nesse diapasão, surge a necessidade de um mecanismo judicial que possibilite maior efetividade aos direitos sociais, se tomado uma posição a favor do ativismo judicial. Assim, esse mecanismo seria a possibilidade de coletivização dos efeitos das demandas individuais que versassem sobre direitos sociais, porque somente assim seria concretizado o escopo de igualdade universal do dever prestacional do Estado em fornecer bens e serviços. Além disso, possibilitar-se-ia um maior controle do rearranjo orçamentário, evitando, destarte, o que ocorre hodiernamente, a saber: as políticas públicas, por causa das ações individuais vindas de diversos órgão julgadores, bem como seus efeitos individuais de aumento do custo orçamentário resultam na construção de um orçamento ou de um planejamento típico das policies como uma colcha de retalhos.
Observa-se que essa colcha de retalhos se manifesta, na medida em que a cada decisão individual, ter-se-á um novo impacto orçamentário e novos rearranjos, o que, por vezes, importa na não realização de outras políticas públicas universais, tendo em vista o aumento do custo de transação e a escassez dos recursos públicos.
Por isso, como questão de lege ferenda, observa-se que avaliando-se os impactos orçamentários e os custos (custos dos direitos, custos decisórios e custo da execução individual e coletiva) as demandas que versassem sobre direitos coletivos não realizados ou sobre políticas públicas sociais não implementadas deveriam ter efeito coletivo. Esse efeito, implicaria numa execução complexa, sem a qual não adiantaria a decisão coletiva, de modo a estabelecer-se um planejamento conjunto entre o juiz ou Tribunal prolator da decisão e os membros de outros poderes, como meio de realização desses direitos via políticas públicas sociais eficientes e de atendimento universal.
Nessa conjuntura, o que se propõe, na verdade, é um novo tipo de processo para as políticas públicas diferente daquele típico processo civil liberal. Nesse processo, os indivíduos teriam a legitimidade para acionar o Poder Judiciário para deduzir suas pretensões e necessidades, que seriam implementadas via medidas de urgência, enquanto que o pedido principal seria analisado com uma cognição ampla, na qual o orçamento seria juntado no processo e se verificaria qual a maneira mais eficiente de implementar uma política pública. Tal decisão seria mais negocial do que, propriamente, condenatória, na medida em que se buscaria o interesse público.
Além disso, como na execução complexa ter-se-ia a atuação conjunta dos três Poderes do Estado e o acompanhamento de perto pelo Ministério Público, além dos órgãos da própria sociedade civil, não haveria que se falar em violação à separação dos poderes e nem tampouco em abuso do poder político do Poder Judiciário, como vem acontecendo, hodiernamente, nas demandas individuais. Isso porque, nesse caso as políticas públicas seriam encaradas como atos típicos do Estado de Bem-Estar Social exercidos por meio da soberania que é una, mas que se exerce nas diversas funções exercidas pelos Poderes do Estado, o que no caso de atuação conjunta consistiria numa atuação da soberania em seu sentido pleno: legislação, administração e jurisdição.
Contudo, observa-se que para que tal arranjo institucional fosse possível, far-se-ão necessárias à adoção de um conjunto de medidas legislativas, administrativas e judiciárias  que deveriam ser tomadas no sentido de operacionalizar e viabilizar uma reforma institucional, o que emergiria num novo tipo de processo, o processo das políticas públicas, adequado as demandas que não de tipo liberal, como são aquelas próprias dos direitos sociais, consoante se analisou durante toda à pesquisa.
Portanto, verifica-se a necessidade de um novo processo e de um novo desenho institucional, para que se lide de forma eficiente na realização dos direitos sociais, por meio de políticas públicas efetivas, tendo em vista a escassez e a distribuição racional dos recursos do erário.


6. Considerações finais.


Ante o exposto, faz-se imperioso tecer algumas considerações finais sobre o tema. Desse modo, observa -se que o locus decisório das políticas públicas deveria ser o Poder Legislativo, cabendo ao Executivo sua materialização ou execução e ao Judiciário restaria o Controle de sua execução nos termos da Constituição e das leis reguladoras das políticas públicas. Contudo, na prática, observa-se que tal fato não vem se efetivando, seja pela passividade do Legislativo e do Executivo, respectivamente, em formular e implementar políticas públicas, seja pela hipertrofia legislativa. No caso da hipertrofia legislativa, observa-se que apesar da grande produção legislativa, cada vez mais, nesses atos legislativos aparecem conceitos jurídicos indeterminados que permitem à omissão do Poder Executivo na efetivação dos direitos sociais,  alegando que se trata de uma questão de discricionariedade político-administrativa na execução de políticas públicas sociais que estabeleçam e regulem o modo de atuação prestacional do Estado.
Nesse sentido, verifica-se que a intervenção judicial aparece como resposta a essa passividade dos demais Poderes do Estado, apesar de contrariar ao sentido tradicional de democracia e o exercício políticos pelos Poderes Majoritários, mas sob o escopo da busca da efetivação de direitos. Contudo, essa forma de atuação ativista tem gerado alguns problemas e distorções estruturais e institucionais, por meio controle de constitucionalidade de políticas públicas.
Tal fato se verifica, em primeiro lugar, com o abuso de alguns juízes em decidir demandas individuais, as quais têm impacto orçamentário sobre as políticas públicas, especialmente, aquelas afetas a direitos sociais, principalmente, pelo aumento do custo de transação da execução judiciária ensejado por essas tomadas de decisão. Além disso, em segundo lugar, as demandas individuais não constituem mecanismos de atuação política, pois, o núcleo material das políticas públicas é a universalidade, assim como o escopo dos direitos sociais é a igualdade universal, ou seja, tratamento igualitário daqueles que estejam em iguais situações. Assim, os direitos sociais deveriam ser exercidos de modo coletivo e não de modo individual, porque os seus destinatários são as coletividades ou ser humano em sentido concreto: os doentes, as crianças, os idosos, os trabalhadores, as mulheres, os homens, os aposentados, etc.
Desse modo, observa-se que as demandas individuais não atendem esse escopo (igualitarismo universal), pois tratam de modo liberal,  os direitos que não têm natureza liberal, isto é, tratam individualmente o que tem natureza coletiva.
Na prática, outrossim, mesmo nas demandas coletivas falta preparo aos juízes para analisarem a escassez econômica[38], bem como falta preparo para as pastas públicas levarem tais dados ao processo, o que acaba gerando essa farra da intervenção[39]  e uma execução decisória, muitas vezes, ineficiente.
Portanto, infere-se que a intervenção judicial no controle de políticas públicas deve ser feita pela via da exceção, pois, em regra o locus decisório para formulação das políticas públicas é o Poder Legislativo onde os interesses organizados podem ser representados pela legitimação plebiscitária. Além disso, infere-se que as demandas individuais aumentam os custos de transação do Estado frente o orçamento. Caso as despesas fossem realizadas não para um indivíduo, mas para todos aqueles que estivessem em iguais condições, isso implicaria numa minoração desses gastos, possibilitando a formulação e implementação de mais políticas públicas sociais.
Tal prejuízo político-jurídico aparece geralmente nas demandas individuais, salvo nos casos daquelas demandas individuais cujos efeito são coletivo. Nesse sentido, conclui-se que as demandas individuais puras constituem um atentado ao postulado da universalização dos direitos sociais, na medida em que aumentam o custo orçamentário (e sabendo que os recursos são escassos) e por isso evitam a implementação de outras políticas públicas sociais universais por comprometerem a distribuição dos recursos do erário.
Em síntese, observa-se que o modelo das ações individuais realiza e garante direitos, mas não faz controle do políticas públicas, porque as políticas públicas não podem ser alteradas para garantir o direito de um indivíduo, mas, ao contrário, o controle judicial de uma política pública proporcionaria a todos os indivíduos que estivessem em iguais condições os benefícios assegurados pela decisão judicial.
Destarte, para construção de um modelo de controle judicial de políticas públicas, não poder-se-á partir de uma lógica daquela do Estado liberal, no qual preponderam as ações individuais, como acontece atualmente no sistema jurídico brasileiro. Ao contrário,  no contexto do Estado Social, só é possível pensar em demandas coletivas, conforme já fora sublinhado, para lidarem com indivíduos que estejam no mesmo grupo, ou seja, nas mesmas condições, para que se tenha igualdade no exercício do bem-estar social, o que constitui o escopo nuclear dos direitos sociais, em suma, igualdade material. Sem essa igualdade material não há direitos sociais, mas pretensões sociais realizadas como direitos individuais, o que, de certa forma, afronta os objetivos pelos quais se conquistaram historicamente os direitos sociais.
Portanto, faz-se mister uma alteração no plano institucional, com a criação de mecanismos que possibilitem um novo tipo de processo, o processo das políticas públicas, em que mesmo nas demandas individuais se obtenha o efeito coletivo[40], ou seja, nesse novo processo a decisão implicará na satisfação das utilidades necessárias ao bem-estar de todos os indivíduos em iguais condições. Para isso, conforme já salientado, haveria a necessidade de uma execução complexa, com um planejamento que envolveria todos os Poderes do Estado e participação da sociedade civil, o que consistiria não num ato apenas de jurisdição, mas de soberania, porque o resultado seria uma política pública realizada em conjunto pelo Estado (por uma atuação conjunta dos três Poderes do Estado, além do Ministério Público e dos interesses organizados) e não de um abuso do Controle Jurisdicional das políticas públicas. Essa, porém, é uma questão de lege ferenda, que carece de uma vultosa reforma institucional.
Por fim, salienta-se que essa é uma questão que demanda maiores pesquisa, porém, deve-se ter em questão sempre o escopo dos direitos a serem assegurados e meios de efetivação que se coadunem a esses objetivos, o que no caso de novos direitos implica na necessidade de um novo processo[41]. Essa constatação aponta para necessidade de pesquisas mais acuradas sobre o tema, que, ainda, encontra-se em estágio de maturação teórica.


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[1] Texto Publicado na Revista de Processo Civil da RT – Sodré, Habacuque Wellington Sodré. As contingências das demandas individuais frente à questão da universalização dos direitos sociais no contexto da Judicialização da Política. IN REVISTA DE PROCESSO (RePro), VOL.200, Ano 36 - outubro 2011, pp. 279-310.
[2] A concepção de ativismo judicial está ligada historicamente ao movimento do realismo americano, no qual o juiz aparece como protagonista, devendo observar a sociedade e decidir com base na política pública (policy) que mais se adéqüe ao interesse social. Essa posição tentou superar, historicamente, o conservadorismo que imperava nos juízes americanos, o que de certa forma impedia determinadas reformas institucionais e a busca por interesses mais amplos. De certa forma, esse modelo judiciário não via nas regras o elemento central do direito, nem tampouco a atividade judiciária como mera subsunção do caso a regras do Statute Law e dos precedentes da Common Law. Nesse sentido, pode-se observar tal inferência das palavras Oliver Wendell Holmes: “as predições  do que farão os tribunais e nada mais pretensioso do que isso são o que eu entendo por direito”. HOLMES, Oliver Wendell. The path of the Law. IN Harvard Law Review. V.10, 1897, p. 461. Outrossim, vide: MUÑOS, Alberto Alonso. Transformações na teoria geral do direito: argumentação e interpretação do jusnaturalismo ao pós-positivismo. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 95. BILLER, Jean-Cassien; MARIOLY, Aglaé. História da filosofia do direito. Tradução Maurício de Andrade. Barueri: Manole, 2005, p. 252. BIX, Brian. Jurisprudence Theory and Context. 3 Ed. Durham, North Carolina: Carolina Academic Press, 2004, pp. 179-180.
[3] Fala-se em máximo de efetividade, porque diante da escassez fática de recursos financeiros, determinados direitos não serão passíveis de serem realizados. Por outro lado, por exemplo, defensores da tese do mínimo existencial, defenderão que mesmo ante a escassez fática o Estado estaria obrigado a realizar esse mínimo protetivo do cidadão, conforme se verá adiante.
[4] A respeito desse ponto, observa-se que, no âmbito dos países de tradição romano germânica, a partir do advento das Cortes Constitucionais, principalmente, nos países da Europa ocidental, com governos social-democratas, esse poder e em alguns países em que não há Corte Constitucional, o órgão máximo do Poder Judiciário, aparecem como validadores finais das decisões políticas, conformando as políticas Públicas sociais ao texto da Constituição. Nesse sentido, faz-se mister observar que Robert Alexy, no âmbito da doutrina alemã, vendo o Tribunal Constitucional, como um ator privilegiado, para realização de direitos: “Se se inclui o Tribunal entre os participantes dessa discussão, pode dizer-se que ocupa uma posição intermediária no espectro de opiniões que se estende desde uma ampla rejeição: ‘Os direitos fundamentais não podem ser ambas as coisas [...] direito a uma ação e sua negação’, até sua aceitação mais ampla: ‘Em  uma sociedade industrial sumamente complexa, os direitos fundamentais são direitos de participação ou não existem’. A polêmica sobre os direitos a prestações está caracterizada por diferenças da opinião sobre o caráter e as tarefas do Estado, do direito e da Constituição, inclusive os direitos fundamentais,  como também sobre a avaliação da situação atual sociedade. Como nela, entre outras coisas, se trata de problemas de redistribuição, sua ‘explosividade política’ é óbvia. Em nenhum outro âmbito é tão clara a conexão entre o resultado jurídico e as valorações gerais práticas ou políticas: em nenhum outro âmbito se discute tão tenazmente.  É sintomático que nessa situação se fale – com intenção crítica ou positiva – da ‘mudança de compreensão do direito fundamental’ e se peça ‘desdemonizar, desideologizar e desemotivizar o conceito de direitos fundamentais sociais”. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centros de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, pp. 426-427. 
[5] Cf. Roberto BERGALLI, Roberto. Estado democrático y cuestión judicial: vias para alcanzar una auténtica y democrática independência judicial. Buenos Aires: Depalma, 1984, pp. 35.
[6] RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 116-117.
[7] Para aqueles que pensam ser possível a apropriação da teoria dworkiana para legitimação de um modelo ativista, tal pretensão não se faz possível, primeiro, porque o referido autor americano rejeita a premissa de que os juízes devam julgar com base em políticas e, além disso, o referido filósofo americano assume uma posição fortemente liberal, entendendo ser rígido o conceito de separação de poderes, pois, os juízes não podem criar o direito das partes, mas apenas encontrá-los seja nos legal rights ou nos moral rigthts. A respeito da separação entre direito política, Dworkin, no plano normativo, vai asseverar que os juízes não devem decidir com base em políticas públicas, mas com base em princípios, conforme se infere de sua análise “Na verdade, porém, os juízes não deveriam ser e não são legisladores delegados, e é enganoso o conhecido pressuposto de que eles estão legislando quando vão  além de decisões políticas já tomadas  por outras pessoas. Este pressuposto não leva em consideração a importância de uma distinção fundamental na teoria política que agora introduzirei de modo sumário. Refiro-me à distinção entre argumentos de princípio, por um lado, e argumentos de política (policy), por outro. Os argumentos de política justificam uma decisão que fomenta ou protege algum objetivo coletivo da comunidade como um todo. O argumento em favor de um subsídio para indústria aeronáutica que apregoa tal subvenção irá proteger a defesa nacional, é um agrupamento de política. Os argumentos de princípio justificam uma decisão política, mostrando que a decisão respeita ou garante um direito de um indivíduo ou de um grupo. O argumento em favor das leis contra a discriminação, aquele segundo o qual uma minoria tem direito à igualdade de consideração e respeito, é um argumento de princípio. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução e notas de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, pp. 129-130.
[8] DWORKIN, Ronald. O império do direito. radução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 451-452.
[9] Cf. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria do Estado. 27 Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 277.
[10] Nesse sentido, Carlos Ari Sundfeld define o Estado Social: “O Estado torna-se um Estado Social, positivamente atuante para ensejar o desenvolvimento (não o mero crescimento, mas a elevação do nível cultural e a mudança social) e a realização da justiça social (é dizer, a extinção das injustiças na divisão do produto econômico). Em um primeiro plano, aparecem os chamados direitos sociais, ligados, sobretudo à condição dos trabalhadores: garante-se o direito ao salário mínimo, restringe-se – em nome da proteção do economicamente fraco – a liberdade contratual de empregadores e empregados. De outro lado, o indivíduo exige o direito de exigir certas prestações positivas do Estado: o direito à educação, à previdência social, à saúde, ao seguro desemprego e outros mais. Para incrementar o desenvolvimento econômico, sobretudo nos países subdesenvolvidos, o Estado passa a atuar como agente econômico, substituindo os particulares e tomando a si a tarefa de desenvolver atividades reputadas importantes ao crescimento: surgem as empresas estatais”. SUNDFELD,  Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público.  4ª Ed. 9ª Tiragem. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 55.
[11] Nesse sentido, seriam dois fatores que ensejariam o ativismo judicial e o protagonismo do juiz, a saber: a hipertrofia legislativa, isto é, o direito passa a disciplinar todas as esferas da vida social, principalmente, por meio de uma legislação ambígua e com conceitos jurídicos indeterminados, por causa da influência dos diversos grupos de interesses e do lobby na arena política; e a explosão da litigiosidade, isto é, um aumento desproporcional do número de demandas referentes aos direitos sociais, especialmente, sobre políticas públicas. Assim, principalmente, a partir do advento da Constituição Federal de 1988 e o estabelecimento de poderes de controle e a possibilidade de apreciação da constitucionalidade não somente das leis, mas dos atos de governo, implicam no ativismo. Cf. FARIA, José Eduardo (org.). Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. 4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2005 pp.11-12.
[12] Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. IN: O processo – Estudos e Pareceres.  2ª Ed. São Paulo: Editora DPJ, 2009, p. 39.
[13] “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
[14] A respeito da legitimidade e da própria diferenciação de funções entre política e direito se põem em xeque, conforme salienta Celso Fernandes Campilongo: “Não é o caso, para concluir, de se restaurar a antiga distinção entre  legislação e jurisdição. Certamente, a hipertrofia do direito legislado apenas reforça e alimenta as possibilidades do direito judicial. Também não se trata de negar a expansão global do Poder Judiciário e suas conotações políticas. O importante é salientar, mais uma vez  que, na sociedade moderna, democracia é sinônimo de manutenção de elevada complexidade e pressupõe a diferenciação funcional entre sistema político e sistema jurídico. [...] São preocupantes, diante da representação para o sistema político, tanto o descaso de alguns ‘representantes’ no desempenho de suas funções quanto os ataques indiscriminados ao instituto. Extrapolam, por fim, as instituições estranhas ao sistema política, especialmente setores da magistratura, que – apesar de justificável desilusão em face da pobre realidade da representação – avocam a condição de ‘substitutos funcionais’ de partidos, eleitores e parlamento. Não há democracia sem escolha, sem manutenção de complexidade e, nesse sentido, sem ‘governo representativo’. Não há garantias à oposição e nem independência da magistratura sem um sistema jurídica operativamente fechado. O ‘governo dos juízes’, carentes de verificação histórica, também é incompatível com a manutenção de uma complexidade elevada”. CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito na sociedade complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 87.
[15] No que tange a taxonomia das políticas públicas, essas podem ser classificadas de várias formas, uma das possíveis é aquela proposta por José Reinaldo Lima Lopes que divide o conceito de policy em políticas sociais, sociais compensatórias, de fomento, de reformas de base, políticas de estabilização monetária, nos seguintes termos: “As políticas públicas agrupam-se também em gêneros diversos: existem (1) as políticas públicas sociais, de prestação de serviços essenciais e públicos (tais como saúde, educação, segurança e justiça, etc.), (2) as políticas sociais compensatórias (tais como a previdência e a assistência social, seguro desemprego, etc.), (3) as políticas de fomento (créditos, incentivos, preços mínimos, desenvolvimento industrial, tecnológico e agrícola, etc.), (5) políticas de estabilização monetária, e outras mais específicas e genéricas”. LOPES, José Reinaldo. Direitos subjetivos e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado Social de Direito. IN FARIA, José Eduardo (Org). Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. 4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 133. Por outro lado, numa visão mais clássica da Ciência Política Theodore J. Lowi, analisando as políticas públicas como o elemento que constitui a arena política e atuação dos grupos de interesse, entende serem três os tipos de políticas públicas possíveis: políticas públicas distributivas (afeta aos grupos econômicos, como um benefício tributário para dado setor), políticas públicas regulatórias (que tratam da regulação setorial, por meio das agências regulatórias que vão estabelecer o marco regulatório para atuação dos agentes econômicos daquele dado setor) e as políticas públicas redistributivas (que tratam de benefícios sociais, que podem” ser entendidas como aquelas que atribuem direitos sociais). Nesse sentido, observa-se sua classificação, in fine: “There are three major categories of public in the scheme: distribution, regulation, and redistribution. [...] Thus, these areas of policy or government activity constitutive real arenas of Power. Each arena tends to develop its own characteristic political structure, political process, elites, and group relations”. LOWI, Theodore J. American Business, Public Policy, Case-Studies and Political Theory. IN World Politics, n. 16, 1964, pp. 689-690.
[16] Cf. BUCCI, Maria Paula Dallari. BUCCI, Maria Paula Dallari. As Políticas e o direito administrativo. IN Revista trimestral de direito público. São Paulo: Malheiros Editores. p. 134-144, 1996, p. 139.
[17] Cf. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução e notas de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, pp. 129-130.
[18] Cf. LOPES, José Reinaldo. Direitos subjetivos e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado Social de Direito. IN FARIA, José Eduardo (Org). Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. 4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 134.
[19] A respeito das três dimensões da política faz-se mister colacionar a sua digressão feita por Klaus Frey: “De acordo com os mencionados questionamentos da ciência política, a literatura sobre policy analysis' diferencia três dimensões da política. Para a ilustração dessas dimensões tem-se adotado na ciência política o emprego dos conceitos em inglês de polity' para denominar as instituições políticas, politics' para os processos políticos e, por fim, policy para os conteúdos da política: a dimensão institucional polity' se refere à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo; no quadro da dimensão processual politics' tem-se em vista o processo político, freqüentemente de caráter conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição; a dimensão material policy' refere-se aos conteúdos concretos, isto é, à configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas. Essa diferenciação teórica de aspectos peculiares da política fornece categorias que podem se evidenciar proveitosas na estruturação de projetos de pesquisa. Todavia, não se deve deixar de reparar que na realidade política essas dimensões são entrelaçadas e se influenciam mutuamente”. FREY, Klaus. Políticas públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticas públicas no Brasil. IN Planejamento e Políticas Públicas (IPEA), Brasília, v. 21, 2000, pp. 216-217.
[20] Segundo Theodore J. Lowi, em sua perspectiva que as políticas públicas (policies) constituem a política (politics), define as políticas redistributivas e seu campo de atuação, asseverando que: “(3) Redistributive policies are like regulatory policies in the sense that relations among broad categories of private individuals are involved and, hence, individual decisions must be interrelated. But on all other count there are great differences in the nature impact. The categories of impact are much broader, approaching social classes. They are, crudely speaking, have and have-not, bigness and smallness, bourgeoisies and proletariat. The aim involved is not use of property but property itself, not equal treatment but equal possession, not behavior but being. The fact that our income tax is in reality only mildly redistributive does not alter the fact of the aims and the stakes involved in income tax policies. The same goes for our various, ‘welfare state’ programs, which are redistributive only for those who entered retirement or unemployment rolls without having contributed at all. The nature of a redistributive issue is not determined by outcome of a battle over how redistributive a policy is going to be. Expectation about what it can be, what it threatens to be, are determinative”. LOWI, Theodore J. American Business, Public Policy, Case-Studies and Political Theory. IN World Politics, n. 16, 1964, pp. 689-691. 
[21] A esse respeito Fábio Konder Comparato dá o seguinte tratamento à história dos direitos sociais: “O reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social foi o principal benefício que a humanidade reconheceu do movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XIX. O titular desses direitos, com efeito, não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre conviveu maravilhosamente. É o conjunto dos grupos sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome e a marginalização. Os socialistas perceberam, desde logo, que esses flagelos sociais não eram cataclismos da natureza nem efeito necessários da organização racional das atividades econômicas, mas sim verdadeiros dejetos do sistema capitalista de produção, cuja lógica consiste em atribuir aos bens de capital um valor muito superior aos das pessoas. Os direitos humanos de proteção do trabalhador são, portanto, fundamentalmente, anticapitalistas e, por isso mesmo, só puderam prosperar a partir do momento histórico em que os donos do capital foram obrigados a se compor com os trabalhadores. Não é de admirar, assim, que a transformação radical das condições de produção no final do século XX, tornando cada vez mais dispensável a contribuição da força de trabalho e privilegiando o lucro especulativo, tenha enfraquecido gravemente a esses direitos em quase todo mundo”. COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação histórica dos direitos humanos. 4 Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 53.
[22] Aqui observa-se a retratação do momento em que os direitos humanos declarados, passam a ser positivados nas Constituições dos Estados, o que teoria alemã vai estabelecer a diferença entre direitos humanos como direitos declarados, mas não positivados, em face dos direitos fundamentais que são direitos humanos positivados. No que tange os direitos sociais, observa-se que esses aparecem primeiramente na Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição alemã de Weimar de 1919. Cf. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 2 reimpressão. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, pp.84-85. No Brasil, o reconhecimento de tais direitos veio com a Constituição de 1934. Cf. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13ª Ed. Rev. Atual. e Ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 757.
[23] O utilitarismo aqui adotado é aquele utilitarismo de média proposto por John Harsanyi (prêmio Nobel de Economia de 1994), o qual não busca a distribuição do bem para o maior número de pessoas, como fazia a teoria clássica do utilitarismo como Bentham e Austin, mas antes busca pelo ideal de que a média dos bens obtidos pelos indivíduos seja a mais elevada possível. Nesse sentido, Harsanyi tem como principal ponto de sua teoria econômica a maximização do nível de vida médio, o que de certa forma, afasta a concepção de desigualdades. Cf. John C. Harsanyi. The Problem Solving Ability of the Rule Utilitarian Approach Should Not Be Underestimated: Comments on Scanlon's Paper. IN Humanities, Social Sciences and Law. Volume 11, Number 1 / January Springer: Netherlands, 1977, p. 435.
[24] A respeito de tal concepção acerca da prestação dos serviços públicos e do planejamento das políticas públicas para implementação dessas atividades frente ao orçamento público, Cass Sunstein e Stephen Holmes. asseveram que os direitos somente podem ser prestados onde haja orçamento suficiente, pois, “levar os direitos a sério significa tomar a sério a escassez dos recursos públicos”. SUNSTEIN, Cass; HOLMES, Stephen. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. New York: Norton, 1999, pp.14-15.
[25] Nesse sentido, não é possível uma distribuição individual, caso a caso, no sentido de uma avaliação individual das necessidades de cada sujeito ou ator social, principalmente, quando se trata de uma política pública universal, sob pena de haver um descompasso na distribuição, pois corre-se o risco de tirar de uma gama de sujeitos necessitados (com necessidades específicas em um dada área social) para se dar a outros (com outras necessidades específicas em uma dada área social), o que daria margem a maiores frustrações do que, propriamente, soluções práticas. O debate, por exemplo, com o liberalismo igualitário de Rawls vai mais na direção da discussão das preferências dos indivíduos e não da universalização dos bem-estar. Cf. John C. Harsanyi. The Problem Solving Ability of the Rule Utilitarian Approach Should Not Be Underestimated: Comments on Scanlon's Paper. IN Humanities, Social Sciences and Law. Volume 11, Number 1 / January Springer: Netherlands, 1977, p. 436.
[26] Esse, por exemplo, seria um argumento do liberalismo igualitário de John Rawls, como resposta ao utilitarismo clássico (especial Jeremy Bentham), em que o bem deveria ser maximizado para uma maior número de pessoas, o que contrariaria de certa forma contraria a igualdade, segundo o citado autor. Por seu turno, apesar do atendimento universal, Rawls descorda de Harsanyi no sentido de que não se poderia atender a todos igualmente, mas deveria ser maximizada a renda dos mais desprovidos, para depois maximizar-se a renda classe que vem em segundo lugar quanto à sua pobreza relativa e assim por diante. Cf. RAWLS, John. Justiça e Democracia. Tradução de Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 302. 
[27] A respeito dos direitos sociais, próprios do Estado Keynesiano, Norberto Bobbio, em uma perspectiva diferente da rational choice, salienta que ocorre uma multiplicação de direitos e de sujeitos, consoante se infere do seguinte trecho de sua obra: “Essa multiplicação (ia dizendo “proliferação”) ocorreu de três modos: a) porque aumentou a quantidade de bens considerados merecedores de tutela; b) porque foi estendida a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diverso do homem; c) porque o próprio homem não é mais considerado genérico, ou homem em abstrato, mas é visto na especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade, como criança, velho doente, etc. Em substância: mais bens, mais sujeitos, mais status do indivíduo. É supérfluo notar que, entre esses três processos, existem relações de interdependência: o reconhecimento de novos direitos de (onde “de”indica o sujeito) implica quase sempre o aumento do direito a (onde “a” indica o objeto). Ainda mais supérfluo é observar, o que importa para nossos fins, que todas as três causas dessa multiplicação cada vez mais acelerada dos direitos do homem relevam, de modo cada vez mais evidente e explícito, a necessidade a fazer referência a um contexto social determinado. [...] Com relação ao segundo (processo), ocorreu a passagem da consideração do indivíduo humano uti singulus, que foi o primeiro sujeito ao qual se atribuíram direitos naturais (ou morais) – em outras palavras, da ‘pessoa’ – para sujeitos diferentes do indivíduo, como a família, as minorias étnicas e religiosas, toda a humanidade em seu conjunto (como no atual debate, entre filósofos da moral, sobre o direitos dos pósteros à sobrevivência); e além dos indivíduos humanos considerados singularmente ou nas diversas comunidades reais ou ideais que os representantes singularmente ou nas diversas comunidades reais ou ideais que os representam, até mesmo para sujeitos diferentes do homens, como os animais. Os movimentos ecológicos, está emergindo quase que um direito da natureza a ser respeitada ou não explorada, onde as palavras ‘respeito’ e ‘exploração’ são exatamente as mesma usadas tradicionalmente na definição e justificação dos direitos do homem”. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 2 reimpressão. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, pp.83-84.
[28] Essa visão, assim como em Bobbio, aparece na leitura de Fabio Konder Comparato, nos seguintes termos: “O reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social foi o principal benefício que a humanidade recolheu do movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XIX. O titular desses direitos, com efeito, não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre conviveu maravilhosamente. É conjunto dos grupos sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome e a marginalização. Os socialistas perceberam, desde logo, que esses flagelos sociais não eram cataclismos da natureza nem efeitos necessários da organização racional das atividades econômicas, mas sim verdadeiros dejetos do sistema capitalista de produção, cuja lógica consiste em atribuir os bens de capital um valor muito superior ao das pessoas”. COMPARATO, Fabio Konder. . A afirmação histórica dos direitos humanos. 4 Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.53.
[29] A concepção de um interesse geral parece já foi superada, tendo em vista que os interesses organizados muitas vezes se opõe na arena política, sendo que uns vão perder e outros vão ganhar. Nesse sentido, por exemplo, pode-se observar o embate entre movimentos sociais que buscam políticas mais redistributivas, isto é, mais políticas públicas sociais com maior implementação de direitos em níveis de efetivação cada vez maiores e, em contrapartida, os agentes econômicos pleiteando menos políticas redistributivas, mas mais benefícios econômicos para seu setor (políticas distributivas). Assim, quem tem mais poder de barganha ou consegue controlar os mecanismos institucionais de veto (lobby no Congresso nacional ou no Chefe do Executivo, bem como sabe articular mecanismos judiciais, como no caso dos ações do controle concentrado de constitucionalidade) tem maiores possibilidades de vencer a disputa política.
[30] O ativismo judicial é si não é um meio adequado para implementação de políticas públicas, pois, essas decisões judiciais estão mais preocupadas com os direitos e não com as políticas públicas, o que põe em xeque a concepção de controle judicial de políticas públicas. Tal fato se observa principalmente, quando direitos sociais que tem seus aspecto material voltado não para os indivíduos, mas para o homem enquanto pertencentes a um grupo social, conforme constata Luís Virgilio Afonso da Silva, nos seguintes termos: “A conclusão a que se pode chegar após essa breve exposição desse estudo de caso, que, ainda que pontual, reflete bem o enfoque que os juristas dão em geral à justiciabilidade dos direitos sociais, é que, em primeiro lugar, os juízes, ao tratarem os problemas dos direitos sociais como se fossem problemas iguais ou semelhantes àqueles relacionados a direitos individuais, ignoram o caráter coletivo dos primeiros. Esse caráter coletivo exige, como não poderia deixar de ser, políticas que são pensadas coletivamente, algo que os juízes não fazem. Com isso, pretendo sublinhar que a questão discutida neste trabalho não é uma mera questão de opção entre ativismo ou contenção judicial, embora ela seja freqüentemente apresentada como se assim o fosse. É certo que os partidários da idéia de contenção judicial têm que defender que os juízes devem se manter afastados de decisões relativas a políticas públicas, mas isso não significa que toda corrente ativista tenha necessariamente que defender o seu oposto, ou seja, que os juízes devam sempre decidir sobre políticas públicas. Nesse sentido, é possível defender uma forma de ativismo judicial - ou seja, defender que os juízes são legítimos para discutir políticas públicas - e, mesmo assim, sustentar que esse ativismo é limitado por uma série de razões estruturais.Isso significa que, embora o ativismo judicial seja uma possibilidade, ele depende de diversas mudanças estruturais na educação jurídica, na organização dos tribunais e, sobretudo, nos procedimentos judiciais, para que passe a ser possível tratar os direitos sociais e sobre eles decidir de forma coletiva”. SILVA, Virgílio Afonso da. O Judiciário e as políticas públicas: entre transformação social e obstáculo à realização dos direitos sociais. IN SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direitos sociais: fundamentação, judicialização e direitos sociais em espécies Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 595-596.
[31] Conforme Conrado Hübner Mendes, que atua por uma lógica não utilitarista, um dos problemas recentes da teoria jurídica e da dogmática é mitificar a atuação judicial como salvadores das políticas públicas que não atendem o interesse de certos indivíduos ou de certas coletividades, mas os interesses majoritários representativos ou, então, dos interesses organizados, porém, esse constitui um atentado ao ideal democrático: “A obsessão teórica com Tribunais, somada ao absoluto silêncio em relação ao legislador, fragiliza o papel que a Constituição pode desempenhar num sistema político. O legislador não está isento de respeitar os limites constitucionais, independentes de uma instituição externa que o vigie. E, em função do desacordo inerente à interpretação constitucional, não me parece aceitável  afirmar que uma instituição judiciária possua habilidades cognitivas ímpares ou autoridade moral superior para determinar o conteúdo do texto normativo. A interpretação constitucional legislativa não é descartável. A teoria constitucional não pode eximir o legislador de firmar entendimentos consistentes sobre o significado da Constituição”.  MENDES, Conrado Hübner. Controle de Constitucionalidade e Democracia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p.193.
[32] A respeito desse ponto, faz-se mister trazer à colação alguns exemplos. Primeiro, no caso de um remédio pedido judicialmente, apenas para aquele indivíduo autor da ação, quando o Estado encontra-se obrigado a executar à sentença, ao adquirir no varejo o custo de transação é muito maior do que se tivesse comprado no atacado, ou seja, para todos aqueles que estão em iguais condições. Daí, observar-se que esse tipo de demanda aumenta o custo de transação na realização de prestação de serviços públicos ou fornecimento de bens, por parte do Estado. Sobre exemplos dessas ações individuais que aumentam o custo pode-se citar, os seguintes casos, apenas para exemplificar: TJSP Apelação Cível nº: 244.478.5/9-00; 197.417.5/0-00; Agravo de Instrumento nº. 313.048-5/4-00; 412.973-5/7-00
[33] Em relação a desigualdade, além de acessar o judiciário para requerer uma prestação do Estado seja privilégio de alguns, porque nem todos os cidadão tem as informações que proporcionam o acesso à justiça, observa-se que o nível de desigualdade, além do caso dos remédios, já trabalhado na nota anterior, o caso da judicialização do direito à educação, pois, nas demandas que versam sobre vagas em escola ou em creche próximas a residência do educando, quando concedidas pelo judiciário acabam gerando distorções tamanhas que ferem diretamente a isonomia. Isto é, quando se tem tal tipo de pedido em demanda individual, ocorre o fenômeno do “fura-fila”, ou seja, um educando que pleiteia uma vaga em uma escola que estava na fila de espera por uma vaga, talvez, nem entre os primeiros, quando recebe uma decisão judicial favorável passa na frente dos demais que estavam esperando, porque não tem acesso à justiça como aquele que obteve o benefício. Além disso, esse tipo de demanda não é universalizável, tendo em vista que os espaços são limitados, não é possível garantir vaga para todos os educandos na fila, ou seja, ou se constrói uma escola nova no bairro e se universaliza o direito, ou se aplica, individualmente, e se gera desigualdades como essas. Sob esse ponto de vista se posicionou o Superior Tribunal de Justiça, vide o leading case RESP 503.028-SP. Por outro lado, o Tribunal de Justiça de São Paulo vem dando provimento a essas “ações fura-filas” (TJSP Apelação Cível nº. 354.816.5/0)
[34] LOPES, José Reinaldo. Direitos Sociais: teoria e prática. São Paulo: Editora Método, 2006, p.120.
[35]  Segundo LOPES, “Na sociedade de massas e de classes, porém, a repetição de casos individuais semelhantes indica a existência de classes, grupos, conjuntos em que a solução de um caso antecipa a de outros semelhantes. Assim, a adjudicação  em um caso pode ter conseqüências em muitos outros semelhantes, pondo-se em dúvida se haveria necessidade de um processo judicial  completo para o caso, ou se bastaria uma decisão seguida do reconhecimento dos casos iguais como participantes de uma mesma classe (o problema da extensão da res iudicata). [...] Mais do que coletivo, os novos conflitos são plurilaterais”. Ibid., p. 121.
[36] Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. O Judiciário e as políticas públicas: entre transformação social e obstáculo à realização dos direitos sociais. IN SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direitos sociais: fundamentação, judicialização e direitos sociais em espécies. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 596.
[37] Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini et.al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9 Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, pp.799-800.
[38] Os juízes, na maioria dos casos, não estão aptos a trabalhar com a lógica do cálculo de risco, ou seja, o cálculo de custo e benefício. Segundo, Mancur Olson, o cálculo deve ter três partes as quais comportam uma análise acurada daquele que detém o poder de decidir por uma coletividade: Fator 1: Que benefício decorrerá da provisão do bem coletivo?  Fator 2: Qual é o custo do fornecimento do bem coletivo?  Fator 3: Que quantidade do bem coletivo já foi provida? Cf. A lógica da Ação Coletiva: Os Benefícios Públicos e uma Teoria dos Grupos Sociais. São Paulo: EDUSP, 2001, p. 34. Aqui surge a contingência e angústia, os juízes tem tomado uma decisão racional quando decidem os casos cujo objeto é uma demanda por medicamentos? Essas decisões parecem muito mais passionais do que racionais.
[39] A farra da intervenção consiste no ato de que as demandas individuais geram impacto negativo nas políticas públicas. Além disso, essa farra se dá quando, em alguns casos, o Poder Judiciário passa a ter uma atividade paternalista, como ocorre atualmente nos caso em que se pedem banalidades e os juízes concedem onerando desnecessariamente o orçamento público.
[40] A extensão dos efeitos da decisão judicial aquele que demandou em juízo, a todos que estiverem nas mesmas condições. Isso porque os direitos sociais implicariam num dever de ação coletiva do Estado e não em ação individual. E essa transição necessária de um sistema de demandas individuais para demandas de caráter normativo é o passo final para materialização do Estado Social.
[41] Os direitos sociais estão presentes nas ordens jurídicas a quase um século, porém, ainda não se desenvolveu um processo judicial adequado a seu escopo político-institucional.

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